COVID-19 Foi Adquirida no Trabalho? Quando a Doença Pode Ser Ocupacional e Quais Seus Direitos

A pandemia da COVID-19 virou o mundo de cabeça para baixo e impôs desafios sem precedentes ao ambiente de trabalho. Milhões de trabalhadores, especialmente aqueles em serviços essenciais ou que não puderam aderir ao home office, se viram na linha de frente da exposição ao vírus. Uma dúvida que surgiu e persiste é: se um trabalhador contraiu COVID-19, essa doença pode ser considerada ocupacional, ou seja, relacionada ao trabalho? A resposta não é um simples sim ou não, mas depende de uma análise criteriosa do caso concreto, e o reconhecimento como doença ocupacional abre um leque importante de direitos para o trabalhador. Entender essa possibilidade é crucial, especialmente agora que convivemos com as sequelas da doença e a circulação contínua do vírus.

A legislação previdenciária brasileira, especificamente o Artigo 20, § 1º, alínea ‘d’, da Lei nº 8.213/91, estabelece uma regra geral: doenças endêmicas (como a dengue, em certas regiões) ou epidêmicas (como a COVID-19) que atingem a população de uma área geográfica não são consideradas doenças do trabalho. Isso porque, em tese, qualquer pessoa estaria sujeita à contaminação, independentemente do trabalho. Contudo, a mesma lei abre uma exceção crucial: a doença será considerada ocupacional se for comprovado que ela resultou de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho. Foi justamente essa exceção que ganhou destaque durante a pandemia. O Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6342, suspendeu a eficácia de um artigo de uma Medida Provisória (MP 927/2020) que tentava dificultar esse reconhecimento, reafirmando que a COVID-19 PODE SIM ser considerada doença ocupacional. No entanto, o STF não criou uma presunção automática; ele manteve a necessidade de comprovação do nexo causal entre a contaminação e o trabalho.

Então, em quais situações a comprovação do nexo causal para a COVID-19 se torna mais plausível? Embora cada caso seja um caso, algumas circunstâncias fortalecem a tese da origem ocupacional:

  • Profissionais de saúde: Aqueles que lidaram diretamente com pacientes diagnosticados ou suspeitos de COVID-19, especialmente em hospitais, UTIs, ambulatórios.
  • Trabalhadores em atividades com alto risco de exposição: Serviços essenciais que exigiram contato intenso com o público (transporte coletivo, supermercados, farmácias, segurança, limpeza de áreas de grande circulação), sobretudo nos períodos de alta transmissão comunitária.
  • Falha comprovada da empresa nas medidas de proteção: Se a empresa negligenciou o fornecimento de EPIs adequados (máscaras PFF2/N95 em ambientes de risco), não implementou protocolos de distanciamento social, falhou na higienização dos ambientes, ou não afastou trabalhadores com sintomas, a responsabilidade pela contaminação de outros empregados aumenta consideravelmente.
  • Surtos identificados no local de trabalho: A ocorrência de múltiplos casos simultâneos ou sequenciais em um mesmo setor ou equipe pode ser um forte indício de transmissão interna devido a falhas preventivas.
  • Exigência de viagens ou participação em eventos: Se o trabalhador foi obrigado a viajar a trabalho ou participar de eventos presenciais em momentos de alta circulação viral e contraiu a doença logo após. A comprovação do nexo, portanto, depende de uma análise conjunta da atividade exercida, do nível de exposição inerente a ela, das medidas preventivas efetivamente adotadas (ou não) pela empresa, e do contexto epidemiológico do momento da infecção.

Provar o nexo causal da COVID-19 com o trabalho é, sem dúvida, um desafio, dada a ampla circulação do vírus na comunidade. No entanto, não é impossível. O trabalhador precisa reunir o máximo de evidências: teste positivo para COVID-19 (preferencialmente RT-PCR), relatórios médicos detalhando o quadro clínico e as possíveis sequelas (COVID longa), comprovantes de que estava trabalhando presencialmente no período provável da infecção, e, crucialmente, provas da exposição específica no trabalho e/ou das falhas da empresa. Isso pode incluir fotos ou vídeos mostrando a falta de EPIs ou aglomeração, e-mails ou comunicados internos que comprovem ordens ou condições de trabalho inseguras, e o testemunho de colegas que possam confirmar a exposição ou a negligência da empresa. Um laudo médico assistente que aponte a probabilidade da origem ocupacional também ajuda. Em um processo judicial, a perícia médica poderá ser determinante para analisar todos esses elementos.

Se a COVID-19 for reconhecida como doença do trabalho (equiparada a acidente de trabalho), o trabalhador (ou seus dependentes, em caso de óbito) passa a ter direitos importantes:

  1. Emissão da CAT pela empresa (se não o fizer, o próprio trabalhador, sindicato ou médico podem emitir).
  2. Possibilidade de estabilidade provisória no emprego por 12 meses após a cessação do auxílio-doença acidentário (B91), caso o afastamento pelo INSS supere 15 dias (Art. 118, Lei 8.213/91).
  3. Recolhimento do FGTS pela empresa durante todo o período de afastamento pelo INSS.
  4. Direito a indenizações por danos morais e materiais (incluindo despesas médicas e lucros cessantes), caso fique comprovada a culpa da empresa (negligência com as medidas de prevenção). As sequelas da COVID longa (problemas respiratórios, neurológicos, fadiga crônica) que causem incapacidade parcial ou total, permanente ou temporária, também podem gerar direito a pensão mensal. Em caso de óbito, os dependentes podem pleitear pensão por morte acidentária e indenizações.

A pandemia pode ter arrefecido, mas suas consequências e a circulação do vírus persistem. Se você contraiu COVID-19 e tem fortes razões para acreditar que a infecção ocorreu devido à sua atividade profissional, especialmente se percebeu que a empresa foi negligente em adotar as medidas de proteção sanitária exigidas na época, não descarte a possibilidade de ter seus direitos violados. A caracterização como doença ocupacional depende de uma análise técnica e jurídica detalhada. Buscar assessoria jurídica especializada é o caminho mais indicado para avaliar as chances de reconhecimento do nexo causal no seu caso específico, verificar a existência de culpa da empresa, e pleitear na Justiça os direitos e reparações cabíveis, incluindo aqueles relacionados às possíveis sequelas da doença. Não presuma que foi apenas “azar”; a responsabilidade pela sua saúde no trabalho pode ter sido negligenciada.

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