“Contratos de Namoro”: Segurança Jurídica ou Violação à Liberdade de Constituição de Família?

Em tempos de grande exposição da vida privada e de relacionamentos que começam com patrimônios já consolidados, uma figura jurídica tem ganhado cada vez mais popularidade e polêmica: o contrato de namoro. Celebrado por casais que desejam deixar claro que sua relação é apenas um namoro e não uma união estável, o documento visa, principalmente, afastar futuras discussões sobre partilha de bens. Mas ele é realmente eficaz? Seria uma ferramenta legítima de planejamento e segurança jurídica ou uma tentativa de mascarar a realidade e fraudar direitos? A validade e os limites desse contrato são um dos temas mais debatidos no Direito de Família contemporâneo, colocando em lados opostos a autonomia da vontade e a proteção à entidade familiar.

Qual o Objetivo de um Contrato de Namoro? A Diferença Crucial para a União Estável

Para entender o contrato de namoro, é preciso, primeiro, entender o que é uma união estável. A lei a define como uma convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família. É esse último requisito, o animus familiae, que é o ponto-chave. O contrato de namoro é, em essência, uma declaração bilateral de que, naquele momento, as partes não têm essa intenção de formar uma família. Seu principal objetivo é, portanto, pré-constituir uma prova para evitar que, no futuro, uma das partes alegue a existência de uma união estável e peça a divisão dos bens adquiridos durante o relacionamento. Ele busca trazer segurança, especialmente para a parte que possui um patrimônio maior.

O que Diz a Justiça? A Validade (e a Invalidade) do Contrato de Namoro

A Justiça brasileira reconhece, em princípio, a validade do contrato de namoro. Ele é visto como uma expressão da liberdade e da autonomia das partes em regular suas relações. Contudo – e este é o ponto mais importante – o contrato de namoro não é um salvo-conduto e não tem o poder mágico de impedir que a realidade dos fatos se sobreponha ao que está escrito no papel. Se um casal assina um contrato de namoro, mas, na prática, vive como se em união estável estivesse, o contrato será considerado inválido pelo juiz. O que vale para a Justiça não é o nome que o casal dá à relação, mas o que a relação efetivamente é.

Quando o Namoro Vira União Estável, Mesmo com Contrato Assinado

Aqui reside o perigo de confiar cegamente no contrato. A linha entre um “namoro qualificado” e uma união estável é tênue. Se o casal, mesmo tendo assinado o contrato, passar a apresentar os elementos que caracterizam a união estável, o documento perde sua eficácia. Que elementos são esses?

  • Coabitação: Embora não seja requisito obrigatório, morar junto é o indício mais forte de uma união estável.
  • Dependência financeira ou conta conjunta: A mútua assistência e a confusão patrimonial são características de uma vida familiar.
  • Apresentação social: Se perante amigos, familiares e a comunidade o casal se apresenta como uma entidade familiar (“minha mulher”, “meu marido”).
  • Fidelidade e projeto de vida em comum: A existência de planos futuros e a lealdade típica de uma relação com intuito familiar.

Se a realidade da vida a dois (a primazia da realidade) demonstrar esses elementos, um juiz poderá declarar a existência da união estável e determinar a partilha de bens, desconsiderando completamente o contrato de namoro assinado.

Para Quem o Contrato de Namoro é Realmente Indicado?

Apesar dos riscos, o contrato de namoro pode ser uma ferramenta útil em situações específicas, desde que as partes estejam cientes de suas limitações. Ele é indicado para casais que, de fato, estão apenas namorando, sem planos imediatos de formar uma família, mas que, por alguma razão (ex: um deles tem patrimônio elevado, são pessoas públicas ou já passaram por divórcios litigiosos), desejam uma camada extra de segurança jurídica. Ele funciona como uma fotografia do início da relação, uma prova de que, naquele ponto de partida, a intenção de família não existia. Contudo, é um documento que precisa ser constantemente reavaliado. Se a relação evoluir, o mais seguro e transparente é reconhecer a união estável e, se for o caso, fazer um contrato de convivência escolhendo um regime de bens, como o da separação total.

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