Como a Opinião dos Filhos é Considerada nos Processos de Guarda e Convivência?

Em meio à tempestade de um divórcio litigioso, onde os pais se digladiam sobre patrimônio e mágoas, uma voz, muitas vezes, é silenciada ou transformada em um eco dos desejos adultos: a da criança. “Com quem você quer morar?”. Essa pergunta, carregada de peso, é um dos dilemas mais sensíveis do Direito de Família. A Justiça brasileira, em sintonia com tratados internacionais e com uma visão mais humana do processo, tem se esforçado para dar protagonismo à opinião dos filhos. Mas isso significa que a vontade deles é soberana e determinará o resultado? A resposta é não. A opinião da criança é um elemento de extrema importância, mas sua consideração é um processo cuidadoso, que busca extrair seus sentimentos genuínos e protegê-la de pressões e manipulações.

O direito da criança de ser ouvida está expressamente garantido em lei. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu artigo 28, parágrafo 1º, assegura que, sempre que possível, a criança ou o adolescente será previamente ouvido por uma equipe interprofissional, e sua opinião será “devidamente considerada”. Note a expressão: “devidamente considerada”, e não “cegamente acatada”. O direito à oitiva é uma garantia fundamental da criança de participar das decisões que afetarão drasticamente sua vida, mas a responsabilidade final da decisão permanece com o juiz, que deve agir como um filtro de proteção.

A razão pela qual a vontade da criança não é absoluta é a necessidade de protegê-la de si mesma e do conflito dos adultos. A decisão do juiz não se baseia apenas no que a criança diz, mas sim no princípio do superior interesse da criança, um conceito amplo que engloba múltiplos fatores. A equipe técnica do judiciário e o juiz avaliarão, primeiro, o grau de maturidade e discernimento da criança para entender as implicações de sua escolha. A opinião de um adolescente de 16 anos, por exemplo, naturalmente terá um peso muito maior do que a de uma criança de 7. O segundo e principal fator de ponderação é a possibilidade de manipulação e alienação parental. O juiz precisa investigar se a vontade expressa pela criança é genuína ou se é um reflexo do medo, da pressão ou do discurso implantado por um dos genitores.

Para garantir que a voz da criança seja ouvida de forma protegida e acolhedora, o Judiciário utiliza metodologias específicas. A oitiva não ocorre em uma sala de audiência formal e intimidadora. A Lei nº 13.431/2017 (Lei da Escuta Protegida) estabelece a prática do Depoimento Especial, onde a criança conversa em uma sala separada e lúdica, apenas com um profissional especializado (psicólogo ou assistente social), que conduz a entrevista de forma a extrair seus sentimentos sem pressioná-la. Na maioria dos casos, no entanto, a opinião da criança é colhida de forma ainda mais aprofundada durante a realização do estudo psicossocial. Este estudo envolve uma série de entrevistas com os pais e os filhos, visitas às residências e a elaboração de um laudo técnico completo, que servirá como os “olhos e ouvidos” do juiz dentro da dinâmica familiar.

Em suma, a Justiça moderna entende que a criança não é um objeto a ser disputado, mas um sujeito de direitos no processo. Sua voz importa e será ouvida com respeito e cuidado. Contudo, a decisão final sobre com quem ela vai morar ou como será a convivência caberá ao juiz, que ponderará essa opinião junto com todos os outros elementos do processo, como as condições de cada genitor e, principalmente, o laudo da equipe técnica. A melhor maneira de um pai ou mãe ajudar o filho nesse momento é justamente não pressioná-lo a escolher um lado, blindá-lo do conflito e permitir que ele se sinta seguro para expressar seus verdadeiros sentimentos aos profissionais capacitados para ouvi-lo.

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