Até Quantas Prestações Atrasadas Podem Levar à Prisão? Desvendando o Art. 528 do CPC

É uma das perguntas mais recorrentes nos escritórios de advocacia e nos buscadores da internet: “Doutor, preciso atrasar quantas pensões para ser preso?”. A confusão em torno desse número é imensa e perigosa, levando muitos devedores a uma falsa sensação de segurança. Alguns acreditam em um mito de seis meses, outros em um ano. A verdade, no entanto, é muito mais estrita e está definida não apenas no Código de Processo Civil, mas em uma interpretação consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça. Desvendar essa regra não é um incentivo à inadimplência, mas sim um alerta crucial sobre a rapidez com que o risco de prisão pode se tornar real.
A Regra de Ouro: A Súmula 309 do STJ e o Limite de Três Meses
Vamos direto ao ponto e quebrar o principal mito: não há um número mínimo de parcelas em atraso para que o credor possa entrar com a ação. No entanto, para utilizar o procedimento que leva à prisão, a lei estabeleceu um recorte temporal específico. A regra está cristalizada na Súmula 309 do STJ, que determina que a prisão civil por dívida alimentar só pode ser decretada com base no débito que compreende as três últimas prestações vencidas antes do ajuizamento da ação, acrescidas de todas aquelas que se vencerem durante o curso do processo. Este é o “pacote” da dívida que carrega o poder de levar alguém à prisão.
Exemplo Prático: Desmontando o Cálculo para Não Restar Dúvidas
Para que a regra fique absolutamente clara, vamos a um exemplo prático. Suponha que a pensão alimentícia mensal seja de R$ 1.200,00. O devedor deixou de pagar os meses de janeiro, fevereiro e março de 2025. No dia 10 de abril de 2025, o credor ingressa com a ação de execução pelo rito da prisão. A dívida que será cobrada sob ameaça de prisão será de R$ 3.600,00 (referente a janeiro, fevereiro e março). Agora, imagine que o processo se arraste. A parcela de abril vence e não é paga. Ela se soma automaticamente à dívida. O mesmo acontece com a de maio, junho, e assim por diante, até que a dívida seja paga ou a prisão decretada. O valor cobrado é dinâmico e cresce a cada mês de inadimplência enquanto o processo tramita.
E as Dívidas Antigas? O Destino da Dívida Pretérita
O que acontece com as parcelas anteriores a esses três últimos meses? Elas simplesmente desaparecem? A resposta é um sonoro não. As parcelas mais antigas, conhecidas no jargão jurídico como “dívida pretérita”, não perdem seu valor e continuam sendo devidas, mas não podem mais ser usadas para fundamentar um pedido de prisão civil. O STJ entende que essas dívidas mais antigas perdem o caráter de urgência e subsistência que justifica uma medida tão extrema como a prisão. Para cobrar esses valores, o credor deverá usar um procedimento diferente, o chamado rito da penhora, onde o objetivo é buscar e expropriar bens do devedor – como o bloqueio de saldo em conta bancária, penhora de veículos, imóveis ou até mesmo parte do salário.
O Gatilho da Ação: Uma Única Parcela Já Abre a Porta
Este é um ponto de atenção máxima. Embora a prisão se refira ao conjunto das três últimas parcelas, basta o atraso de uma única prestação para que o credor já adquira o direito de iniciar a ação de execução. Não é preciso esperar acumular três meses de dívida para procurar a Justiça. A partir do primeiro dia útil após o vencimento da primeira parcela não paga, a porta para o processo judicial já está aberta. A procrastinação em regularizar um único mês de atraso pode ser o estopim que desencadeia todo o rápido e angustiante processo que pode levar à prisão.
Em resumo, o número mágico não é seis ou doze. O número-chave que define o escopo da prisão é três, mas o perigo real começa no primeiro dia de atraso. Entender a dinâmica da Súmula 309 do STJ e do artigo 528 do CPC é fundamental. Não se trata de uma licença para deixar a dívida acumular até o limite, mas sim de um poderoso aviso sobre a seriedade e a urgência da obrigação alimentar. A pontualidade é sempre a melhor política. Diante da primeira dificuldade, a busca por uma renegociação amigável ou por uma ação revisional de alimentos é infinitamente mais segura do que apostar contra os prazos da lei.