Amante Tem Direitos? A Posição da Justiça sobre Famílias Paralelas e Simultâneas

Este é um dos temas mais explosivos e socialmente controversos do Direito de Família. A situação é clássica: um homem casado que, por anos, mantém uma segunda relação, uma “vida dupla”, com outra mulher, com quem também forma um núcleo afetivo, muitas vezes com filhos e patrimônio em comum. Quando ele falece ou se separa, a segunda companheira (popularmente chamada de “amante”) busca na Justiça o reconhecimento de seus direitos. A pergunta que ecoa nos tribunais é: essa segunda união, paralela a um casamento não desfeito, pode ser reconhecida como uma união estável? O Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão de grande impacto, já definiu a questão para fins previdenciários e de herança, mas as discussões sobre a partilha de bens adquiridos com esforço comum continuam a desafiar a Justiça, em um embate entre o princípio da monogamia e a vedação ao enriquecimento sem causa.

A Diferença Crucial: Poliamor vs. Família Paralela

Antes de tudo, é fundamental diferenciar a família paralela (ou simultânea) do poliamor. No poliamor, todos os envolvidos têm conhecimento e consentimento sobre a existência dos múltiplos vínculos. Na família paralela, a característica principal é a clandestinidade e a ausência de consentimento. Geralmente, a esposa oficial não sabe da existência da segunda relação, ou, se sabe, não a consente. Essa ausência de transparência é o que confere um caráter de deslealdade ao arranjo e muda completamente a análise jurídica do caso, pois viola a boa-fé que deve reger as relações familiares.

A Decisão do STF: Por que a Segunda União não é Reconhecida?

A grande questão sobre o reconhecimento de direitos da segunda companheira chegou ao STF no julgamento do Tema 529 de Repercussão Geral. A Corte debateu se seria possível reconhecer duas uniões estáveis simultâneas para fins de dividir uma pensão por morte. A decisão final da maioria dos ministros foi a de que não, firmando a tese de que “a preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes, ressalvada a exceção do artigo 1.723, § 1º, do Código Civil [separação de fato], impede o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, para fins de partilha de pensão por morte”. O STF reafirmou que o princípio da monogamia, embora não seja absoluto, ainda estrutura o Direito de Família brasileiro, e que o Estado não pode chancelar ou proteger juridicamente relações baseadas na quebra do dever de lealdade.

E a Partilha de Bens? A Proteção à Companheira de Boa-Fé

Se o STF barrou o reconhecimento da união estável paralela, isso significa que a segunda companheira, mesmo que tenha contribuído por anos para a construção de um patrimônio com o parceiro, sai de mãos abanando? Não necessariamente. Aqui, a Justiça busca uma outra via para evitar uma injustiça ainda maior: o enriquecimento sem causa do homem ou de sua família oficial às custas do esforço da segunda companheira. Para resolver a questão patrimonial, os tribunais têm aplicado a Súmula 380 do próprio STF, que trata da “sociedade de fato”. Segundo essa súmula, comprovado o esforço comum na aquisição de bens, eles devem ser partilhados.

A “Sociedade de Fato” como Saída para Evitar a Injustiça

A solução encontrada pela Justiça é tratar a relação paralela não como uma entidade familiar, mas como uma sociedade de fato. Isso significa que, se a segunda companheira conseguir provar que contribuiu ativamente (com dinheiro, com trabalho, com apoio) para a aquisição de determinados bens durante o período em que esteve com o parceiro, ela terá direito a uma parte desses bens. A discussão sai do Direito de Família e entra no Direito das Obrigações. Não se discute afeto ou lealdade, mas sim uma relação de “sócios” que investiram em um patrimônio comum. A partilha, nesse caso, não é automática (50/50), mas dependerá da prova da contribuição de cada um. É uma solução complexa, que busca um equilíbrio tênue entre não premiar a infidelidade e não permitir uma injustiça patrimonial contra a parte que, muitas vezes de boa-fé, dedicou anos de sua vida a uma relação.

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