Alienação Parental como Tese de Defesa na Execução de Alimentos: Um Erro Não Justifica o Outro

É uma das situações mais dolorosas e complexas do direito de família: um pai (ou mãe) é processado por não pagar a pensão e, em sua defesa, alega que parou de pagar porque o outro genitor pratica alienação parental, impedindo ou dificultando o contato com o filho. O argumento parece ter uma lógica emocional: “Se não me deixam ser pai, por que devo cumprir com meu dever financeiro?”. No entanto, no campo frio e objetivo da lei, essa tese de defesa é eficaz? É possível condicionar o sustento da criança ao bom relacionamento com o guardião? A resposta dos tribunais brasileiros é um retumbante e consistente “não”, baseada em um princípio que visa proteger a parte mais frágil dessa equação: a criança.

Separando as Estações: Obrigação Alimentar vs. Direito de Convivência

O primeiro passo para entender a questão é compreender que, para o Direito, a obrigação de pagar alimentos e o direito à convivência familiar são institutos completamente distintos, que correm em trilhos paralelos e não se cruzam. A pensão alimentícia é um dever que decorre do poder familiar e visa garantir as necessidades básicas e a subsistência do filho. É um direito da criança, não do genitor que a guarda. Por outro lado, o direito de convivência (visitas) é um direito tanto do pai/mãe que não detém a guarda quanto, e principalmente, do próprio filho, de manter laços afetivos saudáveis com ambos os genitores. A jurisprudência pacífica do STJ e dos tribunais estaduais estabelece que a obrigação de pagar alimentos é incondicional, autônoma e não pode ser compensada, suspensa ou extinta em razão de dificuldades no exercício do direito de visitas.

A Vítima Dupla: Por que a Tese Falha na Prática?

A lógica por trás dessa separação rigorosa é a proteção integral da criança. Pensemos: quem é a maior vítima da alienação parental? A criança. Quem é a maior vítima do não pagamento da pensão? A mesma criança. Permitir que o devedor use a alienação parental como desculpa para não pagar a pensão seria, na prática, punir a vítima duas vezes. Seria usar a criança como um escudo ou objeto de barganha em um conflito entre adultos, o que é expressamente vedado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A lei entende que um erro (a alienação parental) não pode ser “corrigido” com outro erro ainda mais grave (deixar a criança sem sustento). O alimento é urgente, essencial e inadiável. A disputa pela convivência, embora igualmente importante, deve ser travada em seu próprio campo de batalha.

O Caminho Correto e Eficaz para Combater a Alienação Parental

Isso significa que o genitor que sofre com a alienação parental está de mãos atadas? Absolutamente não. O sistema jurídico oferece ferramentas específicas e eficazes para combater essa prática nefasta, mas elas estão no processo correto. Em vez de suspender o pagamento da pensão, o genitor alienado deve ajuizar uma ação autônoma declaratória de ato de alienação parental (ou um incidente processual, se já houver processo de guarda em curso). Nesse processo, com base na Lei nº 12.318/2010, ele pode pedir uma série de medidas para coibir a prática, como: advertência ao genitor alienador, ampliação do regime de convivência, estipulação de multa, acompanhamento psicológico e, em casos extremos, até mesmo a alteração da guarda ou a inversão do domicílio da criança. Este é o caminho legal, maduro e que verdadeiramente protege os interesses da criança.

Em conclusão, usar a alienação parental como tese de defesa em uma execução de alimentos é uma estratégia fadada ao fracasso e juridicamente equivocada. Ela não apenas será rejeitada pelo juiz, como pode ser vista como uma tentativa de se esquivar de uma obrigação sagrada, piorando a situação processual do devedor. A mensagem da justiça é clara: as disputas e mágoas dos adultos não podem, em hipótese alguma, transbordar a ponto de privar uma criança de seu direito fundamental à subsistência. A luta contra a alienação parental é justa e necessária, mas deve ser travada com as armas corretas e no foro adequado, sem jamais colocar em risco o prato de comida do filho.

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