As redes sociais são um palco de perfeição. De fotos de viagens a jantares impecáveis, a vida de muitos adultos é transformada em uma versão curada e idealizada. Para as crianças, essa realidade é ainda mais cruel: elas são forçadas a viver de acordo com o mito da ‘criança perfeita’, uma persona que precisa ser sempre feliz, bem-comportada e esteticamente agradável. A adultização e o mito da perfeição andam de mãos dadas, criando uma pressão esmagadora para que a criança esconda suas imperfeições, suas frustrações e sua própria identidade.
A Curadoria da Infância e a Negação do Real
O mito da ‘criança perfeita’ é uma forma de adultização, pois impõe a ela um padrão irreal de comportamento e de beleza. Os pais, muitas vezes sem perceber, se tornam os curadores da infância, postando apenas os momentos em que a criança está sorrindo, vestida com roupas de marca ou se comportando como um pequeno adulto. A birra, a frustração e a exploração lúdica — que é quando a criança se suja e erra — são negadas e escondidas da internet. Isso ensina à criança que o único lado de si que tem valor é o “perfeito”, o que a leva a reprimir suas emoções e a desenvolver uma falsa persona para agradar os outros.
Os Danos Psicológicos do Mito da Perfeição
O mito da perfeição tem consequências psicológicas devastadoras. A criança que é forçada a viver essa mentira cresce com um sentimento de insuficiência e de inadequação. Ela sente que sua identidade real não é boa o suficiente e, por isso, precisa viver uma vida que não é dela. O medo de decepcionar, a ansiedade social e a baixa autoestima são apenas alguns dos problemas que podem surgir dessa pressão. O ECA, em seu artigo 15, garante à criança o direito a um desenvolvimento com dignidade, e a dignidade não se baseia na perfeição, mas no respeito à sua individualidade e ao seu próprio processo de crescimento.
A Responsabilidade da Sociedade e a Visão Jurídica
A responsabilidade pelo mito da ‘criança perfeita’ é de toda a sociedade. A indústria do entretenimento, as redes sociais e até a publicidade contribuem para essa narrativa irrealista. No entanto, os pais são os principais agentes de mudança. O Direito, por meio do Ministério Público, pode intervir em casos extremos em que a pressão por uma vida “perfeita” leva à exploração do trabalho infantil ou a danos psicológicos comprovados. A lei reconhece que o direito ao desenvolvimento pleno e saudável (art. 53 do ECA) inclui a liberdade de ser imperfeito, de errar e de aprender.
Celebre a Imperfeição
Para combater o mito da ‘criança perfeita’, é preciso um gatilho de autenticidade. Os pais devem se conscientizar de que a beleza da infância não está em sua perfeição, mas em sua bagunça, em suas lágrimas e em suas risadas genuínas. É preciso mostrar que a vida real, com suas imperfeições, é muito mais valiosa do que a versão curada para as redes sociais.
A infância não é um show para ser postado. É um jardim para ser cultivado. Proteger as crianças do mito da perfeição é permitir que elas cresçam de forma autêntica e saudável, sem a pressão de uma vida que não lhes pertence.