Um dos percalços que podem ocorrer na rotina de um trabalhador é sofrer um acidente durante o deslocamento entre sua casa e o local de trabalho, ou no caminho de volta. Esse evento, conhecido como acidente de trajeto ou acidente in itinere, sempre gerou dúvidas sobre sua caracterização legal e os direitos decorrentes. Após um período de incerteza jurídica causado por uma Medida Provisória que tentou mudar a regra, é fundamental esclarecer: o acidente de trajeto continua sendo equiparado a acidente de trabalho para todos os efeitos legais? A resposta, atualmente (maio de 2025), é SIM, e entender essa equiparação é vital para que trabalhadores e empresas saibam como proceder e quais direitos estão envolvidos.
A base legal para essa equiparação está na Lei nº 8.213/91, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social. Especificamente, o Artigo 21, inciso IV, alínea ‘d’, estabelece que se equipara a acidente do trabalho o acidente sofrido pelo segurado, ainda que fora do local e horário de trabalho, “no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado”. Essa regra esteve em vigor por décadas. Em 2019, a Medida Provisória nº 905 (do Contrato Verde e Amarelo) tentou revogar essa alínea, o que causou grande polêmica e insegurança jurídica. Contudo, a MP 905/2019 perdeu sua validade em abril de 2020 por não ter sido convertida em lei pelo Congresso Nacional. Com a caducidade da MP, a redação original da Lei 8.213/91 voltou a ter plena eficácia. Portanto, não restam dúvidas: legalmente, o acidente de trajeto é, sim, equiparado a acidente de trabalho.
Para que um acidente seja classificado como de trajeto, alguns critérios são geralmente analisados:
- Trajeto Habitual: O percurso deve ser o caminho usualmente utilizado pelo trabalhador entre sua residência e o local de trabalho. Pequenos desvios justificados por necessidades normais do cotidiano (como deixar um filho na escola próxima ao trajeto, passar rapidamente em um supermercado no caminho) geralmente não descaracterizam o nexo. Contudo, desvios significativos, que alterem substancialmente o percurso ou o tempo, por motivos estritamente pessoais e sem relação com o trabalho ou necessidades básicas, podem afastar a caracterização.
- Compatibilidade de Tempo: O acidente deve ocorrer dentro de um lapso temporal compatível com o tempo normalmente gasto para percorrer a distância entre a residência e o trabalho.
- Nexo com o Trabalho: Deve haver uma relação direta entre o deslocamento e a jornada de trabalho (ida ou volta).
- Meio de Locomoção: A lei é expressa ao dizer “qualquer que seja o meio de locomoção”, incluindo transporte público, veículo próprio (carro, moto), bicicleta ou mesmo se o percurso for feito a pé.
A equiparação do acidente de trajeto a acidente de trabalho traz consequências práticas importantes, garantindo ao trabalhador os mesmos direitos que teria se o acidente ocorresse dentro das dependências da empresa:
- Emissão da CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho): A empresa tem a obrigação legal de emitir a CAT ao tomar conhecimento do acidente de trajeto sofrido por seu empregado, seguindo os mesmos prazos de um acidente típico (até o primeiro dia útil seguinte ou imediatamente em caso de morte).
- Benefício Previdenciário Acidentário (B91): Se o acidente resultar em incapacidade para o trabalho por mais de 15 dias consecutivos, o trabalhador terá direito ao auxílio por incapacidade temporária na modalidade acidentária (espécie B91), pago pelo INSS a partir do 16º dia de afastamento. Os primeiros 15 dias de afastamento remunerado são de responsabilidade da empresa.
- Manutenção do Depósito do FGTS: Durante todo o período em que o trabalhador estiver recebendo o benefício B91, a empresa deve continuar efetuando os depósitos mensais do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.
- Estabilidade Provisória no Emprego: Talvez um dos direitos mais importantes decorrentes da equiparação: após a cessação do benefício B91 e o retorno ao trabalho, o empregado adquire garantia provisória no emprego pelo período de 12 meses, não podendo ser dispensado sem justa causa nesse intervalo (conforme Art. 118 da Lei 8.213/91). É importante notar uma diferença quanto à responsabilidade civil da empresa. Em regra, no acidente de trajeto típico (causado por terceiro, condições da via, etc.), a empresa não tem culpa direta pelo evento, o que geralmente afasta seu dever de pagar indenizações por danos morais ou materiais na esfera trabalhista. Contudo, essa regra pode ser excepcionada se ficar comprovado que a empresa contribuiu de alguma forma para o acidente (ex: forneceu veículo com manutenção inadequada, exigiu cumprimento de jornada em local de altíssimo risco sem medidas de proteção, etc.).
Portanto, se você sofrer um acidente no percurso entre sua casa e o trabalho (ou vice-versa), lembre-se:
- Busque atendimento médico imediatamente e guarde toda a documentação.
- Comunique o fato à sua empresa o mais rápido possível, detalhando o ocorrido.
- Verifique se a empresa emitiu a CAT. Se houver recusa, você ou outros legitimados (sindicato, médico, etc.) podem fazê-lo.
- Saiba que você tem direito aos benefícios acidentários do INSS (se necessário afastamento > 15 dias), à manutenção do FGTS e à estabilidade de 12 meses após a alta. Empresa: esteja ciente da sua obrigação de emitir a CAT e de garantir os direitos decorrentes do acidente de trajeto. Trabalhador: conheça a proteção legal que se estende ao seu deslocamento habitual para o trabalho. Em caso de dúvidas ou problemas com o reconhecimento dos seus direitos, não hesite em buscar orientação jurídica especializada. A segurança e os direitos do trabalhador não se limitam aos portões da empresa.