Ação de Alimentos e a Violência Doméstica: Como Garantir a Segurança da Vítima Durante o Processo

A decisão de uma mulher vítima de violência doméstica de processar seu agressor para garantir o sustento de seus filhos é um ato de imensa coragem. No entanto, essa coragem é frequentemente acompanhada por um medo paralisante: o medo de que o próprio processo judicial se torne mais uma arena para a violência, a intimidação e o controle. A necessidade de encarar o agressor em uma audiência, de ter seus dados pessoais expostos ou de ser alvo de manobras processuais pode silenciar a busca por um direito fundamental da criança. Felizmente, o ordenamento jurídico brasileiro, especialmente após a Lei Maria da Penha, desenvolveu mecanismos para proteger a vítima e garantir que o processo de alimentos seja um espaço seguro de justiça, e não de revitimização.

A Violência Processual: A Continuação da Agressão por Outros Meios

É preciso nomear o fenômeno: a violência processual. Ela ocorre quando uma das partes utiliza os ritos e procedimentos do sistema de justiça não para buscar um direito, mas para assediar, intimidar, desgastar psicologicamente e perpetuar o ciclo de violência e controle sobre a outra parte. Em contextos de violência doméstica, o agressor pode usar a Ação de Alimentos para forçar contatos indesejados, para ameaçar a vítima ou para prolongar o sofrimento dela através de recursos e manobras protelatórias. Reconhecer que isso é uma forma de violência é o primeiro passo para combatê-la.

A Lei Maria da Penha como Escudo Protetor no Processo de Família

A Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) é a principal aliada da vítima. Caso a mulher já possua medidas protetivas de urgência deferidas por um juiz criminal (como a proibição de contato ou de aproximação do agressor), essas medidas têm validade e devem ser respeitadas em todas as esferas, inclusive no processo que tramita na Vara de Família. É dever do advogado da vítima informar imediatamente ao juiz de família sobre a existência das medidas protetivas, juntando cópia da decisão. O juiz de família fica, então, obrigado a garantir que seus próprios atos processuais não violem a proteção já concedida.

Medidas Práticas de Proteção que Devem Ser Requeridas

A proteção não é automática; ela precisa ser ativamente requerida pelo advogado da vítima. Dentre as medidas mais eficazes para garantir a segurança durante o processo de alimentos, destacam-se:

  • Realização de audiências por videoconferência e em salas separadas: A vítima tem o direito de não ter nenhum contato, nem mesmo visual ou auditivo, com o agressor. A tecnologia permite que cada parte participe da audiência de um local distinto e seguro.
  • Depoimento sem a presença do agressor: O juiz pode e deve determinar a retirada do réu da sala de audiência durante o depoimento da vítima, para que ela possa falar livremente, sem medo ou coação.
  • Tramitação do processo em Segredo de Justiça: Para proteger dados sensíveis, como o novo endereço da vítima e das crianças, o advogado deve requerer que o processo tramite em segredo de justiça. Isso impede que o agressor ou terceiros tenham acesso a essas informações.
  • Comunicação exclusivamente entre advogados: Todas as intimações, notificações e contatos sobre o processo devem ser feitos estritamente entre os escritórios de advocacia, proibindo-se qualquer comunicação direta do agressor com a vítima a pretexto de discutir a ação.

A Importância do Diálogo entre as Varas de Justiça

Para uma proteção integral, é fundamental que haja um diálogo entre a Vara de Violência Doméstrica e a Vara de Família. O advogado que atua no caso de alimentos deve ser diligente em juntar aos autos todas as peças relevantes do processo criminal, como o boletim de ocorrência, o pedido de medidas protetivas e a decisão que as concedeu. Esse contexto de violência prévia informa ao juiz de família a dinâmica do casal e o alerta para a necessidade de uma condução processual mais cuidadosa e protetiva. A história de abuso não é irrelevante para o processo de alimentos; ela é o pano de fundo que exige do Judiciário uma postura de tolerância zero contra qualquer forma de revitimização.

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