Ação de Alimentos Avoengos: O Litisconsórcio Necessário entre Avós Paternos e Maternos

Quando a obrigação mais fundamental, a de um pai ou uma mãe prover o sustento de seu filho, falha, o Direito de Família aciona uma rede de segurança baseada nos laços de sangue e na solidariedade: a responsabilidade dos avós. Os chamados “alimentos avoengos” são a materialização desse amparo. Contudo, essa convocação dos avós ao dever de alimentar gera uma das dúvidas processuais mais complexas e relevantes da atualidade: se o pai não paga a pensão, posso processar apenas os pais dele (os avós paternos)? Ou a responsabilidade deve ser dividida entre todos os avós? A resposta, consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), mudou o cenário dessas ações, tornando-as mais justas, porém processualmente mais exigentes.
A Natureza da Obrigação Avoenga: Subsidiariedade e Complementaridade
Antes de tudo, é vital entender que a obrigação dos avós não é a primeira opção, mas a última. Ela possui duas características essenciais definidas no Código Civil (arts. 1.696 e 1.698). Primeiramente, a obrigação é subsidiária, o que significa que ela só surge na impossibilidade total ou parcial dos pais de cumprirem com seu dever. Essa impossibilidade pode decorrer de morte, desaparecimento, doença incapacitante ou da simples e comprovada falta de condições financeiras. Em segundo lugar, a obrigação pode ser complementar, ou seja, os avós podem ser chamados a complementar a pensão quando o valor pago pelos pais é comprovadamente insuficiente para cobrir todas as necessidades do neto. Não se trata, portanto, de uma escolha, mas de uma necessidade decorrente da falha do primeiro elo da corrente.
A Evolução do Entendimento: Do Litisconsórcio Facultativo ao Necessário
Por muito tempo, a prática comum era que o neto, representado por sua mãe, processasse apenas os avós paternos, no caso de inadimplência do pai. A lógica era simples: buscava-se a responsabilidade na linhagem do genitor faltoso. No entanto, essa abordagem gerava desequilíbrios, sobrecarregando apenas um lado da família. Atento a essa questão e ao princípio da solidariedade familiar, o STJ reviu seu posicionamento. Hoje, o entendimento dominante, especialmente na Terceira e Quarta Turmas do tribunal, é o de que existe um litisconsórcio passivo necessário entre os avós paternos e maternos na ação de alimentos complementares ou subsidiários.
O Litisconsórcio Necessário na Prática: Todos Devem Ser Processados
O que significa “litisconsórcio passivo necessário”? Significa que, para que o processo seja válido, o autor da ação (o neto) é obrigado a incluir no polo passivo da demanda todos os avós vivos, tanto os paternos quanto os maternos. A petição inicial deve, portanto, qualificar e requerer a citação de todos eles para que respondam ao processo. A ausência de um dos avós no processo pode levar à nulidade da sentença. A lógica por trás dessa exigência é que o dever de sustento, derivado do parentesco, é de toda a classe de ascendentes do mesmo grau, e a responsabilidade deve ser aferida e distribuída entre todos eles.
A Divisão da Responsabilidade: Proporcionalidade Acima de Tudo
A consequência mais justa dessa nova orientação é a forma como a responsabilidade é dividida. A obrigação não é solidária, o que significa que o credor não pode exigir a dívida toda de um único avô. Ao contrário, o juiz analisará a capacidade financeira individual de cada um dos avós e fixará um valor de contribuição que seja proporcional às suas respectivas possibilidades. Dessa forma, um avô empresário com alta renda contribuirá com um valor maior do que uma avó que vive de uma modesta aposentadoria. Essa divisão proporcional garante que o peso do sustento do neto seja distribuído de forma equitativa, sem esmagar financeiramente aqueles com menos recursos, e materializa de forma mais plena o princípio da solidariedade familiar. A ação de alimentos avoengos tornou-se, assim, um reflexo mais fiel da responsabilidade compartilhada que une uma família.