Abandono de Idosos pelos Filhos: O Dever de Amparo e as Duras Consequências Legais

O ciclo da vida, em sua essência, é um ciclo de cuidado. Nascemos dependentes, somos cuidados por nossos pais e, ao final da vida, muitas vezes são eles que precisam do nosso amparo. Essa reciprocidade, no entanto, nem sempre acontece. O abandono de idosos pela própria família é uma das faces mais cruéis da negligência em nossa sociedade. O que muitos filhos não sabem ou ignoram é que esse abandono ultrapassa a esfera da falha moral. O dever de amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade é uma obrigação constitucional explícita, detalhada em lei, e seu descumprimento pode levar a consequências severas, que vão desde a obrigação de pagar pensão até a responsabilização cível e criminal.

Artigo 229 da Constituição: Uma Via de Mão Dupla de Cuidado

A base de toda essa responsabilidade está no artigo 229 da Constituição Federal, que estabelece uma via de mão dupla perfeita: “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”. A norma constitucional não deixa dúvidas: o mesmo peso do dever que os pais têm com os filhos pequenos, os filhos adultos têm com os pais idosos. É a consagração jurídica do princípio da solidariedade entre gerações. Essa obrigação não é um favor, não depende de gratidão ou de uma boa relação pregressa. É um dever imposto pelo Estado em nome da dignidade da pessoa humana.

O Estatuto do Idoso: Da Obrigação Alimentar à Punição por Abandono

O Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003) transformou o mandamento constitucional em regras práticas e punições claras. Primeiramente, ele reforça a obrigação alimentar, permitindo que o pai ou mãe idoso que não tenha condições de se manter acione judicialmente os filhos para que paguem uma pensão. Mas o Estatuto vai além. Em seu artigo 98, ele tipifica como crime a conduta de “abandonar o idoso em hospitais, casas de saúde, entidades de longa permanência, ou não prover suas necessidades básicas, quando obrigado por lei ou mandado”, com pena de detenção de 6 meses a 3 anos e multa. A lei protege o idoso não apenas da falta de recursos, mas também da negligência e do desamparo físico.

Abandono Afetivo Inverso: A Dor da Ingratidão que Pode Gerar Indenização

Assim como no caso dos filhos, a Justiça tem avançado para reconhecer os danos causados pela ausência de afeto e cuidado aos pais idosos. É o chamado “abandono afetivo inverso”. Ele ocorre quando os filhos, mesmo que ajudem financeiramente, privam os pais idosos de convivência, de atenção, de carinho, deixando-os em um estado de solidão e angústia que afeta sua saúde mental e dignidade. Os tribunais, embora de forma ainda mais cautelosa que no abandono de filhos, já começaram a admitir a possibilidade de condenar os filhos a pagar uma indenização por danos morais em razão desse abandono afetivo. A tese é a mesma: o dever de amparo do artigo 229 da Constituição não é apenas material, mas também existencial.

Como a Justiça Divide a Responsabilidade do Cuidado Entre os Irmãos?

Uma dúvida comum é: se um idoso tem vários filhos, a responsabilidade recai apenas sobre um? A resposta é não. A obrigação de cuidado e de sustento é solidária entre todos os filhos, e deve ser dividida na proporção das possibilidades de cada um. Se um dos irmãos arca sozinho com todas as despesas de um pai ou mãe doente, por exemplo, ele pode ingressar com uma ação de regresso contra os outros irmãos para reaver parte dos valores. Da mesma forma, na ação de alimentos movida pelo idoso, todos os filhos podem ser chamados ao processo para que o juiz fixe a contribuição de cada um. A lei busca o equilíbrio, impedindo que a responsabilidade, que é de todos, se torne um fardo para apenas um dos membros da prole.

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