Abandono Afetivo: Gera Dano Moral? Pode Influenciar na Decisão sobre a Guarda?

O dever de um pai ou de uma mãe vai muito além do suporte material. A presença, o cuidado, o carinho e a participação na vida do filho são componentes essenciais do poder familiar. Quando um genitor, de forma deliberada e persistente, se omite desses deveres, estamos diante do chamado abandono afetivo. Essa negligência emocional, que por muito tempo foi vista apenas como uma falha moral, hoje tem consequências jurídicas concretas e severas, tanto na esfera financeira quanto na definição da guarda. A mensagem do Judiciário é clara: o afeto, no contexto da parentalidade, é um dever jurídico, e sua ausência pode gerar dor, prejuízo e a perda de direitos.
A influência do abandono afetivo na decisão sobre a guarda é direta e intuitiva. A guarda, seja ela compartilhada ou unilateral, pressupõe o desejo e a capacidade do genitor de exercer a parentalidade. Um pai ou mãe que abandona afetivamente o filho está, na prática, demonstrando sua total inaptidão e desinteresse em exercer os deveres de cuidado, o que o desqualifica para pleitear a guarda compartilhada ou a principal. Em uma disputa de guarda, a comprovação de que um dos genitores é ausente, não participa da rotina escolar, não conhece as necessidades de saúde do filho e não mantém um vínculo de afeto consistente é um dos argumentos mais fortes para a concessão da guarda unilateral em favor do genitor que efetivamente cuida e está presente. O abandona afetivo é a antítese do melhor interesse da criança.
A questão mais complexa e que gerou grande debate no mundo jurídico é: o abandono afetivo pode gerar uma indenização por dano moral? Após anos de discussões, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou o entendimento de que sim, é possível, mas não em qualquer caso. Não se trata de “precificar o amor” ou de indenizar a simples falta de afeto. A indenização é cabível quando a omissão do genitor é tão grave que viola a dignidade da criança e lhe causa um sofrimento psicológico profundo e comprovado, um verdadeiro trauma.
Para que uma ação de indenização por abandono afetivo tenha sucesso, é preciso comprovar três elementos:
- A Conduta Omisssiva do Genitor: É preciso demonstrar a ausência prolongada, deliberada e injustificada do pai ou da mãe na vida do filho.
- O Dano Psicológico Sofrido pelo Filho: Este é o ponto crucial. É necessário provar, por meio de laudos psicológicos e psiquiátricos, que a ausência do genitor causou um dano concreto à saúde mental da criança (depressão, ansiedade, baixa autoestima, dificuldades de socialização, etc.).
- O Nexo Causal: É preciso conectar a conduta (abandono) ao dano (sofrimento), provando que o trauma psicológico da criança foi diretamente causado pela negligência do genitor.
O valor da indenização não visa “pagar pelo carinho que não foi dado”, mas sim cumprir uma dupla função: uma função compensatória, para ajudar a custear o tratamento psicológico necessário para reparar o dano sofrido pela vítima, e uma função punitivo-pedagógica, para sancionar o genitor omisso por sua conduta ilícita e para desestimular que outros pais cometam o mesmo ato.
Provar o abandono afetivo e o dano dele decorrente é um desafio. Exige um conjunto robusto de provas testemunhais, documentais e, principalmente, periciais (psicológicas). No entanto, a possibilidade de buscar essa reparação representa um avanço civilizatório imenso. É o reconhecimento de que cuidar, estar presente e amar não são meras opções, mas deveres jurídicos que, quando descumpridos, geram consequências reais, protegendo a criança não apenas em seu sustento material, mas em sua constituição como ser humano.