A Súmula 309 do STJ e sua Aplicação Prática nos Pedidos de Prisão

No complexo universo do Direito, as “súmulas” emitidas pelos tribunais superiores funcionam como verdadeiros faróis, iluminando e uniformizando a interpretação da lei para juízes de todo o país. Quando o assunto é a prisão por dívida de alimentos, nenhuma é mais citada, mais importante ou mais decisiva do que a Súmula 309 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ela é a régua que define, com precisão, qual parte da dívida tem o poder de levar um devedor à prisão. Para credores, devedores e advogados, compreender a fundo o que essa súmula diz, por que ela existe e como se aplica na prática não é um mero detalhe técnico, é a chave para entender as regras do jogo e para agir de forma estratégica.
O Texto da Súmula e a Razão de sua Existência: Separando o Urgente do Antigo
O texto da Súmula 309 é curto e direto: “O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo”. Mas por que essa limitação? A lógica do STJ foi separar a dívida em duas categorias, com base em seu caráter de urgência. A dívida mais recente (as três últimas parcelas) possui um caráter alimentar emergencial, ou seja, presume-se que aquele dinheiro é essencial para a subsistência imediata da criança. A prisão, como medida mais drástica, justifica-se para forçar o pagamento dessa verba de sobrevivência. Já a dívida mais antiga, embora continue válida e cobrável, perde esse caráter de urgência imediata, devendo ser cobrada por outros meios, como a penhora de bens.
Desmontando a Súmula: Um Exemplo Prático e Detalhado
Para visualizar a aplicação da súmula, vamos a um cenário concreto. Imagine que uma pensão foi fixada em R$ 1.500,00 mensais. O devedor, no entanto, não paga as parcelas de janeiro, fevereiro, março, abril e maio de 2025. No dia 10 de junho de 2025, o advogado do credor entra com a Ação de Execução pelo rito da prisão. De acordo com a Súmula 309, qual será o valor cobrado sob ameaça de prisão? O cálculo é preciso: serão as três prestações imediatamente anteriores à data do ajuizamento da ação, que, no nosso exemplo, são as de março, abril e maio. Portanto, o mandado de citação determinará o pagamento de R$ 4.500,00 (3 x R$ 1.500,00) em três dias, sob pena de prisão. As parcelas de janeiro e fevereiro não entram nesse cálculo para fins de prisão.
O “Efeito Bola de Neve”: As Parcelas que se Vencem no Curso do Processo
A segunda parte da súmula é igualmente importante e frequentemente causa confusão: “…e as que se vencerem no curso do processo”. Isso significa que a dívida que justifica a prisão é dinâmica e cresce com o tempo. Usando o mesmo exemplo: a ação foi ajuizada em junho. Enquanto o processo tramita, a pensão de junho vence no início de julho e não é paga. Esse valor de R$ 1.500,00 é automaticamente incorporado ao montante da execução, que agora passa a ser de R$ 6.000,00. O mesmo ocorrerá com a parcela de julho (vencendo em agosto), e assim sucessivamente. Para o devedor, a lição é clara: ignorar o processo e continuar sem pagar as parcelas atuais só aumenta o valor que ele precisará quitar para evitar ou para sair da prisão.
A Dívida Pretérita: Cobrável, mas por Outro Caminho
O que acontece, então, com as parcelas de janeiro e fevereiro do nosso exemplo? Elas são perdoadas? De forma alguma. Essa dívida, chamada no jargão jurídico de “dívida pretérita”, continua existindo e pode (e deve) ser cobrada. A diferença é a ferramenta utilizada. O credor deverá cobrar esses R$ 3.000,00 restantes através do rito da penhora de bens. Ele pode fazer isso no mesmo processo (convertendo o rito para a parte antiga da dívida) ou em um processo à parte. Nesse caso, o objetivo será buscar bens do devedor – dinheiro em contas, veículos, imóveis – para quitar essa dívida mais antiga. A Súmula 309, portanto, não anistia dívidas; ela apenas direciona qual o instrumento de cobrança adequado para cada período do débito.
A Súmula 309 do STJ, em essência, funciona como um delimitador do poder coercitivo do Estado. Ela estabelece uma fronteira clara, equilibrando a necessidade emergencial do credor com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Para o advogado do credor, ela é o manual de instruções para formular corretamente o pedido de execução. Para o devedor, é a regra do jogo que define o tamanho exato do risco imediato que ele corre. Em um tema tão sensível, conhecer essa súmula não é uma opção, é uma necessidade fundamental.