Quando o orçamento secreto desafia os pilares da administração pública
As chamadas emendas de relator (RP9) ganharam notoriedade nacional por sua falta de transparência e por favorecerem interesses políticos individuais, sem critérios técnicos claros. Popularmente conhecidas como “orçamento secreto”, essas emendas levantaram sérios questionamentos jurídicos e institucionais, principalmente por violar o princípio da impessoalidade previsto na Constituição Federal.
Neste artigo, você entenderá como esse tipo de emenda funciona, seus efeitos práticos, e por que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu derrubar sua legalidade em 2022.
O que são as emendas de relator?
As emendas de relator (RP9) são inserções orçamentárias feitas diretamente pelo relator-geral da Lei Orçamentária Anual, geralmente após negociações informais com congressistas e membros do governo.
Diferentemente das emendas individuais (RP6) ou de bancada (RP7), as RP9 não identificam o autor da destinação nem os critérios de escolha dos beneficiários, o que compromete a rastreabilidade e o controle social dos recursos.
Na prática, são valores bilionários direcionados com baixa ou nenhuma transparência.
Princípio da impessoalidade e sua violação
A Constituição Federal (art. 37, caput) estabelece que a administração pública deve respeitar os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. No caso das RP9, há nítida ofensa à impessoalidade, pois:
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Favorecem redutos eleitorais de aliados políticos, em detrimento de critérios universais de justiça distributiva;
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Premiam municípios com afinidade partidária, enquanto outros, mais carentes, não recebem recursos;
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São usadas como moeda de troca política, desvirtuando a finalidade orçamentária do Estado.
Quando os recursos públicos são usados para premiar aliados e punir opositores, o Estado deixa de ser republicano e se torna patrimonialista.
Julgamento do STF: o fim do orçamento secreto
Em dezembro de 2022, o STF julgou procedente a ADPF 854 e ações conexas, declarando inconstitucionais as emendas de relator no formato que vinham sendo utilizadas.
Entre os principais fundamentos do Supremo:
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Violação aos princípios da impessoalidade e da publicidade;
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Ausência de critérios técnicos objetivos;
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Risco à integridade do sistema orçamentário brasileiro;
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Ofensa à separação de poderes, pois o Legislativo passou a “executar” gastos.
A decisão determinou que novas destinações orçamentárias devem obedecer critérios transparentes, com rastreabilidade e identificação dos autores.
O julgamento do STF foi um marco para reforçar os limites éticos e legais do uso das emendas.
Gatilhos mentais para estimular a reflexão do leitor:
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Indignação: Enquanto milhões vivem sem saneamento básico, bilhões eram desviados para favorecer aliados políticos.
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Autoridade: O STF considerou o modelo inconstitucional. Isso reforça a gravidade do desvio de finalidade.
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Pertencimento: Esse dinheiro é seu — pago com os seus impostos. Você tem o direito de saber para onde ele vai.
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Urgência: As novas leis orçamentárias ainda podem conter brechas. É preciso manter o controle social ativo.
Conclusão: o orçamento precisa ser público e republicano
As emendas parlamentares são instrumentos legítimos dentro da democracia. Contudo, sua execução deve obedecer aos princípios constitucionais da administração pública. As RP9, tal como praticadas, eram incompatíveis com o Estado Democrático de Direito, e o STF cumpriu seu papel ao declarar sua inconstitucionalidade.
Para que a democracia funcione, o orçamento não pode ser secreto. Ele precisa ser justo, transparente e impessoal.