A Proibição do “Downgrade” de Entidades Familiares: Protegendo a Diversidade Familiar

O Direito de Família no Brasil evoluiu a passos largos nas últimas décadas. Direitos que antes pareciam distantes, como a equiparação da união estável ao casamento, o reconhecimento de famílias homoafetivas e a multiparentalidade, tornaram-se realidade graças a uma interpretação progressista da Constituição. Mas, uma vez que uma porta é aberta e um direito é concedido, seria possível fechá-la novamente? Uma nova lei ou uma mudança de entendimento nos tribunais poderiam rebaixar a união estável a um status inferior ou proibir o casamento homoafetivo? A resposta, segundo um princípio vital do nosso sistema jurídico, é não. Trata-se do Princípio da Vedação ao Retrocesso Social, um verdadeiro escudo constitucional que protege as conquistas sociais e impede o “downgrade” dos direitos fundamentais já reconhecidos, incluindo os direitos de família.

O que é o Princípio da Vedação ao Retrocesso Social?

Este princípio, também conhecido como “efeito cliquet” (em alusão à catraca que só gira para frente), não está escrito de forma expressa na Constituição, mas é amplamente reconhecido pela doutrina e pelo Supremo Tribunal Federal como uma consequência direta do Estado Democrático de Direito e da dignidade da pessoa humana. Ele estabelece que, uma vez que o Estado atinge um determinado patamar de proteção de um direito fundamental social, ele não pode, sem uma justificativa muito forte e razoável, agir de forma a suprimir ou reduzir esse nível de proteção. Em outras palavras, o legislador e o juiz estão proibidos de “andar para trás” no que diz respeito às garantias essenciais dos cidadãos. Isso cria uma segurança jurídica e garante que os direitos conquistados não fiquem à mercê de maiorias políticas ou ideológicas transitórias.

Uma Proteção Contra Ondas Conservadoras: Blindando as Conquistas Familiares

No Direito de Família, a aplicação deste princípio é crucial para blindar a diversidade de arranjos familiares que a própria Justiça, interpretando a Constituição, reconheceu. Imagine que um novo Congresso, com uma visão mais conservadora, aprovasse uma lei dizendo que o casamento só pode ocorrer entre homem e mulher, ou que a união estável não gera mais direitos sucessórios. Tal lei seria, muito provavelmente, declarada inconstitucional, não apenas por violar a isonomia e a dignidade, mas especificamente por representar um retrocesso social inaceitável. Os direitos de formar uma família, de herdar, de adotar, uma vez estendidos a todos, incorporam-se ao patrimônio jurídico e à dignidade de milhões de brasileiros e não podem ser simplesmente revogados.

Exemplos Práticos: Por que a União Estável Não Pode Ser Rebaixada?

Vejamos o caso da união estável. A Constituição a reconheceu como entidade familiar. O STF, posteriormente, equiparou os direitos sucessórios de companheiros e cônjuges. Isso significa que a sociedade e o Direito alcançaram um novo patamar de proteção para milhões de famílias. Qualquer tentativa de “rebaixar” a união estável, tratando-a como um arranjo de segunda classe com menos direitos que o casamento, seria uma clara violação à vedação ao retrocesso. O mesmo raciocínio se aplica à filiação socioafetiva. Depois de décadas de jurisprudência consolidando que “pai é quem cria”, seria impensável que uma nova lei decretasse que apenas o vínculo biológico tem valor jurídico. O princípio funciona como uma garantia de que o progresso na proteção da dignidade humana é um caminho de mão única.

O Futuro é Diverso: A Constituição como Garantia de Progresso

O Princípio da Vedação ao Retrocesso Social não serve apenas para proteger o que já foi conquistado, mas também para balizar o futuro. Ele nos lembra que a Constituição aponta para frente, para a ampliação de direitos e para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva. Ele solidifica a ideia de que o reconhecimento da diversidade familiar não é uma “tendência” passageira, mas um valor permanente do nosso ordenamento jurídico. Ao compreendermos este princípio, ganhamos mais uma ferramenta para defender a legitimidade de todos os arranjos familiares fundados no afeto e na dignidade. Ele é a garantia constitucional de que, no que diz respeito aos direitos humanos, o único caminho permitido é o do avanço.

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo