A Prisão Civil por Dívida Alimentar “Limpa o Nome”? A Verdade sobre a Extinção da Dívida

É um dos mitos mais difundidos e perigosos no universo do Direito de Família. A crença de que passar de um a três meses na prisão por dívida de alimentos funciona como uma espécie de “pagamento alternativo”, quitando a dívida e “limpando o nome” do devedor. Muitas pessoas imaginam que, ao cumprirem o período de reclusão determinado pelo juiz, sairão pela porta da frente do presídio com a ficha zerada, livres da obrigação que as levou até ali. Essa percepção não poderia estar mais longe da verdade. A realidade é que a prisão civil é apenas o começo de um novo capítulo de cobranças, e entender isso é fundamental para não cair em um ciclo de problemas ainda maiores.

A Natureza da Prisão: Coerção, Não Quitação

A primeira grande verdade a ser internalizada é sobre o propósito da prisão civil. Conforme estabelecido pela Constituição e pelo Código de Processo Civil, ela não é uma pena ou uma sanção que substitui a dívida. Seu caráter é exclusivamente coercitivo. Em termos simples, a prisão funciona como o mais alto grau de pressão que o sistema judiciário pode impor para forçar o devedor a cumprir sua obrigação. O Estado está, essencialmente, dizendo: “o pagamento desta dívida é tão vital para a sobrevivência de uma criança ou adolescente que estamos dispostos a restringir sua liberdade para que você cumpra com seu dever”. A liberdade é usada como uma moeda de troca para compelir ao pagamento, e não como o pagamento em si.

O que Acontece com a Dívida Durante e Após a Prisão?

Enquanto o devedor está recluso, o “relógio” da dívida não para. O valor que motivou a prisão continua existindo e sendo corrigido monetariamente, com a incidência de juros. Ao final do período de reclusão, seja um, dois ou três meses, o devedor é posto em liberdade, mas a dívida que o levou para a prisão ainda estará lá, integralmente, esperando para ser paga. O que muda, e este é um ponto técnico importante, é que aquela dívida específica (as três últimas parcelas mais as que venceram durante o processo) não pode mais ser utilizada como fundamento para uma nova ordem de prisão. A lei impede que se use a mesma dívida para prender alguém duas vezes.

A Vida Continua: A Conversão do Rito para a Penhora de Bens

Aqui está o ponto crucial que desmente o mito. Assim que o devedor é solto, o advogado do credor faz uma simples petição no processo. Ele informa ao juiz que a medida coercitiva da prisão foi cumprida, mas a dívida não foi paga. Diante disso, ele solicita a “conversão do rito”, pedindo que a execução prossiga agora pelo rito da penhora. A partir desse momento, o foco do processo muda: o objetivo não é mais a liberdade do devedor, mas sim o seu patrimônio. O juiz começará a autorizar uma busca ativa por bens e valores em nome do devedor para quitar a dívida à força.

As Consequências Práticas Pós-Prisão: O que Pode Ser Tomado de Você?

A conversão para o rito da penhora abre um leque de novas e graves consequências. O juiz pode determinar: o bloqueio imediato de qualquer valor encontrado em contas bancárias ou investimentos (via sistema SISBAJUD); a restrição e posterior penhora de veículos (via RENAJUD); a penhora de imóveis, mesmo que seja o único bem de família, em caso de dívida alimentar; e, caso o devedor consiga um emprego formal, a penhora de parte do seu salário, que é descontada diretamente na fonte. Além de tudo isso, o nome do devedor pode ser protestado em cartório e inscrito nos órgãos de proteção ao crédito, como Serasa e SPC, dificultando a obtenção de crédito no mercado. A pressão, que antes era sobre a liberdade, agora se torna uma pressão financeira e patrimonial implacável.

Em conclusão, a ideia de que a prisão “limpa o nome” ou “paga a dívida” é uma ilusão perigosa. Ela é, na verdade, um portal para um segundo nível de cobrança, muitas vezes mais danoso financeiramente a longo prazo. A prisão é a medida coercitiva mais drástica, mas a penhora de bens é a que efetivamente satisfaz o direito do credor. A única, e absolutamente única, maneira de extinguir a dívida, “limpar o nome” e encerrar o processo é o pagamento integral do valor devido ou a celebração de um acordo devidamente formalizado e cumprido perante a Justiça.

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