A Penhora do Salário para Pagamento de Pensão: Limites e Procedimentos

Pode a Justiça “tocar” no seu salário, a fonte do seu sustento e de sua família? Para a maioria das dívidas, a resposta é não, ou pelo menos, não com facilidade. O salário é protegido por uma regra de impenhorabilidade, por ser considerado verba de natureza alimentar. Mas é justamente essa natureza que o torna vulnerável quando a dívida também é alimentar. A penhora de parte do salário para pagar pensão é uma das ferramentas mais diretas e eficazes do sistema de cobrança. Mas como ela funciona? Qual o limite do desconto? Quem é o responsável por fazê-lo? Este artigo detalha o procedimento, os limites e os direitos envolvidos na penhora de salário por dívida de alimentos.
A Quebra do Tabu: Quando um “Alimento” Paga Outro “Alimento”
O conceito fundamental para entender essa medida é a colisão de dois direitos de mesma natureza. De um lado, o salário do devedor, que tem natureza alimentar, pois serve para o seu sustento. Do outro, a pensão alimentícia, que também tem natureza alimentar, pois serve para o sustento do filho. Diante desse conflito, a lei e a justiça priorizam o direito da criança ou do adolescente, considerado mais vulnerável. O artigo 833, § 2º, do Código de Processo Civil é a chave legal que resolve esse impasse, estabelecendo expressamente que a regra da impenhorabilidade do salário não vale quando a cobrança é para pagar prestação alimentícia, independentemente da sua origem.
O Limite do Desconto: Até Onde a Justiça Pode Ir?
A lei permite a penhora, mas também estabelece um teto para não inviabilizar por completo a subsistência do próprio devedor. O artigo 529, § 3º, do CPC, é o dispositivo que fixa este limite, determinando que o valor total do desconto (somando a parcela do mês e eventuais parcelas da dívida antiga) não pode ultrapassar 50% dos ganhos líquidos do devedor. É fundamental entender o que são “ganhos líquidos”: trata-se do salário bruto (o valor total registrado em carteira) menos os descontos obrigatórios por lei, que são a contribuição previdenciária (INSS) e o Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF). Outros descontos, como vale-refeição, plano de saúde ou empréstimos consignados, não entram nessa conta para definir a base de cálculo dos 50%.
O Procedimento na Prática: O Ofício Direto ao Empregador
A penhora não acontece de surpresa na sua conta. Ela é um procedimento formal. O advogado do credor, ao identificar que o devedor possui um emprego formal, peticiona ao juiz pedindo o desconto em folha. O juiz, ao deferir o pedido, não envia uma ordem para o devedor, mas sim expede um ofício judicial diretamente para a empresa empregadora. Este documento ordena que o departamento de Recursos Humanos (RH) ou o setor financeiro da empresa passe a realizar o desconto do percentual determinado diretamente do contracheque do funcionário e deposite o valor na conta bancária indicada no ofício (geralmente, a conta da mãe ou do pai guardião). O cumprimento desta ordem não é uma escolha para a empresa; é uma obrigação legal. O descumprimento pode configurar crime de desobediência.
Diferença Crucial: Desconto em Folha vs. Penhora de Saldo em Conta
É importante não confundir duas medidas parecidas. O “desconto em folha” é a modalidade ideal para o pagamento das parcelas futuras da pensão. Ele é preventivo e garante que não haverá novos atrasos. Já a “penhora de salário” (ou penhora de vencimentos) é o ato de bloquear parte do dinheiro que já caiu na conta bancária do devedor, sendo usada para quitar a dívida passada. O que acontece com frequência é o juiz determinar ambas as medidas simultaneamente: um desconto mensal de, por exemplo, 20% do salário líquido para pagar a pensão do mês corrente, e mais uma penhora de 20% do salário líquido para abater a dívida antiga, até que seja quitada, sempre respeitando o teto global de 50%.
A penhora de salário é, portanto, uma das engrenagens mais eficientes e diretas do sistema de cobrança de alimentos. Ela alcança o devedor na fonte de sua renda, garantindo que o direito do filho seja priorizado antes de qualquer outra despesa. Para o empregado, é um desconto inevitável. Para o credor, é a maior certeza de recebimento. E para a empresa, é uma ordem judicial que demonstra a seriedade e a força da obrigação alimentar no Brasil.