A Penhora de Criptomoedas e Outros Ativos Digitais na Execução de Alimentos

A imagem tradicional da riqueza — imóveis, carros, joias e dinheiro no banco — está se tornando incompleta. No século XXI, uma nova classe de ativos, digitais e descentralizados, emergiu como um poderoso vetor de valor: as criptomoedas. Bitcoin, Ethereum e milhares de outros criptoativos representam um novo desafio para o Direito de Família, levantando uma questão urgente e de vanguarda: é possível que a justiça alcance essa riqueza digital, volátil e aparentemente anônima para garantir o pagamento da pensão alimentícia? A resposta é sim. Embora o caminho seja mais complexo, os tribunais brasileiros estão se adaptando para garantir que o mundo digital não se torne um paraíso para devedores.

A Natureza Jurídica das Criptomoedas: São Bens Penhoráveis?

O primeiro passo para alcançar um ativo é defini-lo. Embora o Brasil ainda não possua uma lei específica que defina a natureza jurídica das criptomoedas, o entendimento legal e regulatório já as enquadra como patrimônio. A Receita Federal, através da Instrução Normativa nº 1.888/2019, obriga a declaração de posse de criptoativos no Imposto de Renda. Para o Direito, a conclusão é lógica: se os criptoativos possuem valor econômico, podem ser comprados, vendidos e devem ser declarados, eles são, portanto, bens que integram o patrimônio do devedor. Como tal, são, em tese, perfeitamente penhoráveis para a satisfação de dívidas, incluindo a alimentar, que goza de prioridade máxima.

O Grande Desafio: A Localização e a Apreensão dos Ativos Digitais

Superada a questão teórica, surge o obstáculo prático: como encontrar e bloquear esses ativos? Diferente de uma conta bancária vinculada a um CPF, as criptomoedas podem ser mantidas em “carteiras digitais” (wallets) anônimas ou em corretoras (exchanges) sediadas em qualquer lugar do mundo. Este é o grande desafio. Contudo, a justiça não está de mãos atadas. A estratégia inicial passa por oficiar as principais exchanges que operam no Brasil (como Binance, Mercado Bitcoin, Bitso, etc.), que, por determinação legal, são obrigadas a registrar as operações de seus clientes e a prestar informações às autoridades brasileiras. Se o devedor mantém seus ativos nessas plataformas, a localização e o bloqueio são perfeitamente viáveis.

O Aprofundamento da Investigação: A “Quebra de Sigilo Digital”

Quando o devedor utiliza carteiras privadas (descentralizadas) ou corretoras estrangeiras, a investigação precisa se aprofundar. O advogado do credor deve atuar como um investigador, buscando nos autos e na vida do devedor qualquer indício de atividade com criptoativos: uma postagem em rede social, uma conversa de WhatsApp, uma declaração antiga de imposto de renda. Com base em indícios fortes, o juiz pode autorizar medidas mais invasivas. É possível requerer a quebra do sigilo de e-mails do devedor para buscar comunicações com corretoras, ou, em medida extrema, a busca e apreensão de computadores, HDs e smartphones, para que peritos forenses tentem localizar as “chaves privadas” que dão acesso às carteiras digitais.

A Vanguarda dos Tribunais: As Primeiras Decisões e o Futuro da Execução

A penhora de criptoativos para pagamento de dívidas já é uma realidade no Brasil. Embora ainda seja um tema de vanguarda, tribunais estaduais de ponta, como o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e o do Distrito Federal (TJDFT), já proferiram decisões favoráveis à penhora de criptomoedas em execuções de dívidas, inclusive de natureza alimentar. Essas decisões pioneiras criam precedentes importantes e sinalizam o caminho a ser seguido. O futuro aponta para a criação de sistemas eletrônicos específicos, uma espécie de “CriptoJud”, que permitiria ao Judiciário consultar e bloquear ativos digitais de forma mais automatizada, assim como já faz com contas bancárias e veículos. A mensagem da Justiça é clara: a inovação financeira não criará um escudo contra as responsabilidades civis e familiares.

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