A Partilha de Bens Financiados Durante o Casamento: Um Guia Prático

O sonho da casa própria ou do carro novo, para a maioria dos brasileiros, passa por uma palavra: financiamento. Construir um patrimônio ao longo dos anos por meio de parcelas mensais é a realidade de inúmeras famílias. Mas quando o divórcio bate à porta, esse sonho se transforma em um complexo quebra-cabeça financeiro. A casa é do casal, mas também pertence ao banco. Quem fica com o bem? Quem assume a dívida? Como dividir algo que ainda não está totalmente pago? Essas dúvidas são extremamente comuns e a falta de clareza sobre elas pode levar a acordos injustos e a problemas futuros. Este guia prático foi criado para desvendar as regras e mostrar as soluções possíveis.

O princípio fundamental que você precisa entender é que, em um divórcio, não se partilha o bem inteiro, mas sim o que já foi pago por ele. Legalmente, em um contrato de alienação fiduciária (o modelo mais comum), o bem pertence ao banco até a quitação da última parcela. O que o casal possui são os direitos econômicos sobre o ativo. Portanto, o que se partilha no divórcio não é o imóvel ou o carro em si, mas sim os direitos aquisitivos sobre ele, ou seja, a soma de todas as parcelas e o valor de entrada que foram pagos durante o casamento. Essa distinção é a chave para um cálculo justo e para a correta compreensão de seus direitos.

Com esse princípio em mente, existem basicamente três caminhos práticos que o casal pode seguir, seja por acordo ou por determinação judicial. A primeira e, muitas vezes, mais limpa solução é a venda do bem. O casal vende o “ágio” (os direitos sobre o bem) para uma terceira pessoa. Com o dinheiro da venda, quita-se o saldo devedor junto ao banco e o valor que sobrar é dividido igualmente entre os dois. A segunda opção, muito comum, é quando um dos cônjuges decide ficar com o bem. Neste caso, essa pessoa assume a responsabilidade pelas parcelas futuras e deve, obrigatoriamente, compensar o outro. Essa compensação financeira, pagando ao ex-cônjuge 50% de todo o valor que foi pago durante o casamento, é crucial para que a partilha seja justa. A terceira via, mais arriscada, é manter o bem em condomínio, pagando juntos até o final para então vender e dividir, o que exige um nível de confiança e maturidade que raramente sobrevive ao divórcio.

Duas situações específicas geram muitas dúvidas e merecem atenção. A primeira são os valores pagos antes do casamento, como a entrada ou as primeiras parcelas. No regime da comunhão parcial de bens, esses valores são considerados bens particulares de quem pagou e, portanto, devem ser excluídos do cálculo da partilha. A divisão incidirá apenas sobre as parcelas pagas após a data do casamento. A segunda situação é o uso de saldo do FGTS. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é consolidada no sentido de que, mesmo sendo um fundo individual, o FGTS utilizado por um dos cônjuges para comprar ou abater o saldo devedor do imóvel que serviu de moradia para a família, perde sua natureza particular e o valor correspondente entra na partilha.

Por fim, é vital mitigar um risco comum. Mesmo que no acordo de divórcio fique definido que um dos cônjuges arcará com as parcelas restantes, se o contrato no banco continuar no nome de ambos, o credor não tem nada a ver com esse acordo. Se quem ficou com o bem deixar de pagar, o banco poderá cobrar e negativar o nome de ambos. Por isso, a providência mais segura é lutar pela alteração do contrato de financiamento junto à instituição financeira, para que a dívida passe oficialmente para o nome de quem assumiu o bem. Isso depende de uma nova análise de crédito pelo banco e nem sempre é fácil, mas é uma etapa fundamental para a segurança jurídica e a paz de espírito de quem não ficou com o imóvel, mas poderia ficar com o problema.

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