A monetização da infância: Análise crítica da publicidade direcionada a crianças

No mercado de hoje, a criança deixou de ser apenas um “telespectador” passivo para se tornar um dos principais alvos do marketing. Com o avanço das redes sociais e a ascensão dos mini-influenciadores, a infância se tornou uma mercadoria valiosa, e a monetização da infância um fenômeno cada vez mais comum. Publicidade em canais infantis, parcerias com marcas de brinquedos, roupas e até alimentos ultraprocessados — tudo isso explora a inocência e a falta de discernimento para vender. Mas, a pergunta que fica é: até que ponto a publicidade é apenas um meio de comunicação, e quando ela se torna uma exploração abusiva que a lei precisa coibir?

A Criança como Consumidora Vulnerável: O Olhar da Lei

A legislação brasileira, com uma visão protetiva e avançada, reconhece a criança como um consumidor especialmente vulnerável. O Código de Defesa do Consumidor (CDC), em seu artigo 37, § 2º, é claro ao proibir a publicidade que se aproveite da “deficiência de julgamento e experiência da criança”. Complementando essa visão, a Resolução n. 163 do CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), embora não seja lei, serve como um guia para interpretar o ECA e o CDC. Ela considera abusiva toda forma de publicidade que se direcione à criança, por explorar sua fragilidade psicológica e seu poder de persuasão junto aos pais. Esse entendimento tem sido reiterado por tribunais em todo o país, que reconhecem que a publicidade infantil é, na maioria das vezes, uma forma de adultização e manipulação.

O Marketing Oculto e os Novas Armas da Indústria

A monetização da infância hoje vai muito além dos comerciais de TV. A indústria se apropria de canais de YouTube, perfis no TikTok e no Instagram para inserir o marketing de forma disfarçada. Os chamados “publiposts” (postagens patrocinadas) e “reviews” de produtos feitos por crianças apagam a linha entre o conteúdo e a publicidade. A criança, por não ter a capacidade de discernir, passa a ver a propaganda como algo natural, como a recomendação de um amigo, o que torna a manipulação ainda mais eficaz. A lei exige que a publicidade seja clara e identificável, mas no ambiente digital essa exigência é facilmente contornada, expondo a criança a um bombardeio de mensagens de consumo que ela não tem a maturidade para processar.

O Prejuízo Psicológico e a Formação de Valores

O maior prejuízo da monetização da infância não é financeiro, mas sim psicológico e social. Ao transformar a criança em um alvo de marketing, a sociedade a ensina que seu valor está atrelado ao que ela consome e ao que ela tem. Isso gera uma cultura de materialismo e de insatisfação constante, pois a criança é levada a desejar produtos que, na maioria das vezes, são inacessíveis. A publicidade infantil cria um ciclo de desejo e frustração, que pode levar a problemas de autoestima e a uma visão distorcida da realidade. A criança aprende a se comparar e a querer mais, perdendo a capacidade de apreciar o que é simples e de se divertir com o que já tem.

O Papel do Cidadão na Denúncia e na Proteção

O combate à monetização da infância exige um esforço conjunto. Pais e educadores devem ser os primeiros a mediar o acesso das crianças a conteúdos comerciais e a conversar sobre o que é publicidade e o que não é. Além disso, a denúncia de publicidade abusiva é um ato de cidadania. O CONAR, por meio de seu site, e o Procon de sua cidade são canais para denunciar. A atuação do Ministério Público, que tem o dever de proteger os interesses difusos da sociedade, também é fundamental para que as leis sejam aplicadas e as empresas responsabilizadas.

A infância é um período de aprendizado e de desenvolvimento, não um nicho de mercado. É crucial que a sociedade entenda que a monetização da infância é uma forma de adultização que explora a inocência e que tem consequências danosas para o futuro de nossas crianças. É hora de parar de consumi-la e de proteger o direito sagrado de ser criança. Você, como consumidor, está disposto a fazer essa escolha consciente?

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