A Mãe Pode Ser Presa por Dívida de Pensão Alimentícia? A Obrigação Alimentar da Genitora

Quando o assunto é prisão por dívida de pensão alimentícia, o imaginário popular e até mesmo o noticiário quase sempre desenham a figura de um pai devedor. Essa imagem, embora estatisticamente frequente, alimenta um estereótipo perigoso e juridicamente falso. E quando a situação familiar se inverte? O que acontece se a guarda dos filhos é exercida pelo pai e é a mãe quem tem o dever de pagar a pensão? A lei prevê alguma diferença? A mãe pode ser presa por não pagar? A resposta da legislação brasileira é curta, direta e um pilar da isonomia: sim, absolutamente. A obrigação de sustento é um dever parental, e a lei não faz qualquer distinção de gênero em sua aplicação.

O Princípio da Igualdade Parental: Um Pilar Constitucional e Legal

A base para essa responsabilidade igualitária está no topo do nosso ordenamento jurídico. A Constituição Federal de 1988, em seus artigos 226 (§ 5º) e 229, revolucionou o Direito de Família ao estabelecer a absoluta igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres na sociedade conjugal e na criação dos filhos. O Código Civil seguiu o mesmo caminho. Isso significa que o dever de sustento, guarda, educação e assistência material e moral é uma responsabilidade conjunta, solidária e irrenunciável de ambos os pais. A obrigação de pagar a pensão alimentícia não está atrelada ao gênero, mas sim à condição de não ser o guardião principal da criança, ou seja, aquele que não arca diretamente com as despesas cotidianas da prole.

Guarda com o Pai, Pensão com a Mãe: Um Cenário Cada Vez Mais Comum

A tradicional configuração familiar tem passado por profundas transformações. Hoje, arranjos como a guarda unilateral paterna ou a guarda compartilhada com residência principal fixada junto ao pai são cada vez mais comuns e reconhecidos pela Justiça como soluções que atendem ao melhor interesse da criança. Nesses cenários, a lógica financeira da pensão se inverte: a mãe, que não reside com o filho e, portanto, não arca com as despesas diretas de moradia, alimentação, vestuário e rotina, passa a ter o dever de contribuir para o sustento através do pagamento de uma pensão alimentícia. O valor será calculado com base nos mesmos critérios aplicados a um pai devedor: o famoso trinômio necessidade (da criança), possibilidade (da mãe) и proporcionalidade.

A Execução e a Prisão: Procedimento Idêntico, Sem Distinção de Gênero

Aqui reside o ponto central. Uma vez fixada a obrigação de pagar a pensão, a mãe devedora está sujeita exatamente ao mesmo rito processual de execução que um pai devedor. Não há nenhum privilégio ou tratamento diferenciado na lei. Se a mãe, devedora de alimentos, deixar de pagar e for executada judicialmente pelo pai-guardião, ela será citada para pagar o débito em 3 (três) dias, apresentar uma justificativa para o não pagamento ou, caso não o faça, poderá ter sua prisão civil decretada pelo prazo de 1 a 3 meses. Da mesma forma, todas as outras medidas coercitivas, como a penhora de bens, o bloqueio de contas, a negativação do nome no Serasa e as medidas atípicas (suspensão de CNH, apreensão de passaporte), são plenamente aplicáveis à mãe devedora. A lei é, e deve ser, neutra.

A Sensibilidade do Judiciário e a Realidade Fática da Genitora

Embora a lei seja aplicada de forma isonômica, a análise do caso concreto pelo juiz sempre levará em conta a realidade fática das partes. Ao avaliar a justificativa de uma mãe para o não pagamento, o juiz considerará seus argumentos e provas. Questões como as dificuldades específicas do mercado de trabalho feminino, a jornada múltipla (trabalho e cuidado com outros dependentes, talvez), ou a ausência de uma rede de apoio podem e devem ser levadas em conta na análise da “impossibilidade absoluta” de pagar. Contudo, é crucial entender que esses fatores servem para contextualizar a defesa, e não para criar uma imunidade à prisão. Se for comprovado que a mãe possui capacidade financeira, mas opta por não pagar, a ordem de prisão será decretada. O cumprimento da pena, por sua vez, ocorrerá em estabelecimentos prisionais femininos, seguindo as regras da Lei de Execução Penal.

Em suma, a obrigação de alimentar um filho é um dever que transcende o gênero; é um compromisso que nasce do fato biológico e afetivo da parentalidade. A possibilidade de prisão da mãe devedora é a mais clara e necessária expressão do princípio da igualdade, garantindo que homens e mulheres sejam vistos como iguais perante a lei, tanto em seus direitos quanto em suas responsabilidades familiares. É um poderoso lembrete de que a missão de prover e cuidar de uma criança é compartilhada, e a falha nesse dever fundamental acarreta consequências igualmente severas para ambos os genitores.

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