A Igualdade entre Filhos Biológicos, Adotivos e Socioafetivos: Uma Conquista Constitucional

No passado, o direito brasileiro criava uma triste hierarquia entre os filhos. Havia os “legítimos”, nascidos na constância do casamento, e uma série de outras categorias com menos direitos, marcadas por termos pejorativos como “ilegítimos”, “adulterinos” ou “espúrios”. A adoção, por sua vez, era frequentemente vista como um ato de caridade que não garantia uma filiação plena. Essa realidade, que gerou dor e injustiça por gerações, foi pulverizada por um dos mais poderosos e transformadores dispositivos da nossa Constituição. O parágrafo 6º do artigo 227 da Constituição Federal de 1988 estabeleceu uma isonomia absoluta e inquebrantável entre todas as formas de filiação, decretando o fim dos “filhos de segunda classe” e consagrando que, para a lei, filho é filho, ponto final.

A Revolução do Artigo 227: O Fim de Toda Discriminação

A redação do dispositivo constitucional é direta e não deixa margem para dúvidas: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. Essa norma foi uma verdadeira revolução. Ela não apenas equiparou os filhos nascidos fora do casamento, mas também elevou a adoção a um status de igualdade plena e abriu as portas para o reconhecimento de outras realidades baseadas no cuidado. A grande mudança de paradigma foi deslocar o foco da origem da filiação (biológica ou não, dentro ou fora do casamento) para a dignidade da pessoa do filho. O que importa para a lei não é como uma pessoa se tornou filha, mas sim que ela é filha, e, por isso, merece a mesma proteção e os mesmos direitos que qualquer outra.

Direitos Iguais, Sem Exceção: Herança, Pensão e o Dever de Cuidado

Essa igualdade formal tem consequências práticas de enorme impacto na vida das famílias. A mais conhecida é no campo do Direito Sucessório: todos os filhos, independentemente de sua origem, herdam em quotas absolutamente iguais. Acabou a possibilidade de um pai beneficiar um filho biológico em detrimento de um filho adotivo em seu testamento, para além da parte disponível de seus bens. O mesmo vale para a pensão alimentícia: o dever de sustento é idêntico. A necessidade de um filho socioafetivo não é menor nem maior que a de um filho biológico; o que define o valor da pensão é o binômio necessidade do filho versus possibilidade do pai/mãe. Essa isonomia se estende a todos os aspectos da vida, incluindo direitos previdenciários, planos de saúde e o dever geral de cuidado e afeto.

O Peso do Afeto: Como a Filiação Socioafetiva Cimentou a Igualdade

Se a Constituição abriu as portas para a igualdade, o reconhecimento da filiação socioafetiva pelos tribunais superiores foi o passo que cimentou essa conquista. Ao entenderem que a paternidade e a maternidade também se constroem no dia a dia, com base no amor e no cuidado (a posse de estado de filho), a Justiça deu o xeque-mate final na soberania do critério biológico. A filiação socioafetiva, uma vez reconhecida, torna-se irrevogável e goza do mesmo status e proteção da filiação registral ou biológica. Isso significa que um pai de criação não pode, por um mero capricho ou após um exame de DNA, “devolver” o filho. A paternidade é uma responsabilidade, e a socioafetiva, por ser uma escolha baseada no afeto, é hoje vista como um vínculo de imensa força jurídica.

Na Prática: O que Significa a Proibição de Designações Discriminatórias?

A parte final do artigo constitucional proíbe “quaisquer designações discriminatórias”. Isso vai além de proibir os termos pejorativos do passado. Significa que, em qualquer documento ou ato oficial, não se pode fazer distinção que implique em diminuição de direitos. Por exemplo, em um formal de partilha, não se deve escrever “o filho adotivo” ou “o filho biológico” se essa distinção não tiver nenhuma relevância jurídica. Embora o termo “filho adotivo” seja usado comumente e com orgulho, a lei busca evitar que ele seja empregado para sugerir um status diferente ou inferior. A mensagem é clara: a filiação é um estado único e indivisível. Saber disso lhe dá a segurança de que, perante a lei e a Justiça, o valor do seu vínculo familiar é absoluto e está protegido no mais alto nível da legislação brasileira.

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