A Guarda Compartilhada e a Fixação dos Alimentos: Por que Compartilhar a Guarda Não Zera a Pensão?

A guarda compartilhada tornou-se a regra no ordenamento jurídico brasileiro (Lei 13.058/2014), refletindo um ideal de parentalidade mais equitativo e presente. Junto com sua popularização, no entanto, disseminou-se um perigoso mito: “se a guarda é compartilhada, ninguém precisa pagar pensão para ninguém”. Essa crença, embora sedutora para alguns, é fundamentalmente equivocada e ignora a lógica por trás tanto da guarda compartilhada quanto da obrigação alimentar. Compartilhar a responsabilidade pelas decisões da vida do filho não se confunde com uma presunção de igualdade financeira entre os pais, e é justamente para equilibrar essa balança que a pensão alimentícia continua sendo uma ferramenta indispensável.

O Verdadeiro Significado da Guarda Compartilhada

É crucial, em primeiro lugar, definir corretamente o instituto. Guarda compartilhada significa a responsabilização conjunta e o exercício em comum dos direitos e deveres dos pais que não vivem juntos, no que tange ao poder familiar sobre os filhos. Em termos práticos, é o compartilhamento das decisões importantes sobre a vida da criança: a escolha da escola, a autorização para uma viagem, a definição do pediatra, a orientação religiosa, etc. A lei não exige uma divisão milimétrica do tempo de convivência (isso seria a “guarda alternada”, modelo menos comum e com outras implicações). Na maioria dos arranjos de guarda compartilhada, a criança continua tendo uma residência de base, um lar de referência, geralmente com um dos genitores.

O Desequilíbrio Financeiro: A Razão da Persistência da Pensão

A razão pela qual a pensão alimentícia continua existindo na guarda compartilhada é simples: raramente os pais possuem capacidades financeiras idênticas. O dever de sustento, regido pelo trinômio necessidade-possibilidade-proporcionalidade, impõe que cada genitor contribua na medida de suas posses. Se um dos pais ganha consideravelmente mais que o outro, ele deverá pagar uma pensão para garantir que o filho desfrute de um padrão de vida similar e contínuo, independentemente de estar na casa da mãe ou do pai. A pensão, nesse contexto, serve para equalizar as condições financeiras oferecidas ao filho em ambos os lares e para cobrir a cota-parte do genitor mais abastado nas despesas cotidianas que se concentram no lar de referência.

O Cálculo dos Alimentos no Cenário Compartilhado

Na prática, a fixação dos alimentos na guarda compartilhada envolve uma análise detalhada das despesas da criança e da renda de cada genitor. É comum que os pais acordem (ou o juiz determine) uma divisão de despesas diretas: um paga a escola e o outro, o plano de saúde, por exemplo. Isso já é uma forma de contribuição. No entanto, a pensão em dinheiro (pecúnia) geralmente é fixada para cobrir os custos do dia a dia que são majoritariamente arcados pelo genitor que reside com a criança (o guardião de referência), como alimentação, moradia, vestuário, contas de consumo, etc. O valor da pensão pode até ser menor do que seria em um regime de guarda unilateral, pois presume-se que o outro genitor também arca com custos diretos durante seu tempo de convivência, mas raramente será zerado, a menos que os pais tenham rendas muito similares e dividam todas as despesas de forma perfeitamente equilibrada.

A guarda compartilhada é um avanço por promover a presença e a responsabilidade de ambos os pais na vida dos filhos. Ela reforça a ideia de que a equipe parental continua existindo mesmo após o fim da relação conjugal. A pensão alimentícia, longe de ser uma contradição a esse modelo, é a ferramenta que lhe confere sustentabilidade financeira, garantindo que o “compartilhamento” do amor e do cuidado não seja prejudicado por um desequilíbrio econômico, e que o padrão de vida da criança seja sempre a prioridade.

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