A Escuta da Criança na Justiça: Seu Filho Tem o Direito de Ser Ouvido nas Decisões de Família

Por muito tempo, crianças e adolescentes foram vistos nos processos de família como meros “objetos” da disputa entre adultos. Suas vontades, medos e sentimentos eram frequentemente ignorados, e as decisões sobre seus futuros eram tomadas sem que sua voz fosse considerada. Essa realidade mudou drasticamente. A Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) inauguraram uma nova era, tratando a criança como sujeito de direitos, uma pessoa em desenvolvimento com dignidade e vontade próprias. Um dos direitos mais fundamentais dessa nova concepção é o direito de ser ouvido em todo processo judicial que afete seus interesses, especialmente nas disputas de guarda. Entender como e por que seu filho é ouvido na Justiça é fundamental para confiar no processo e garantir seu bem-estar.

De Objeto a Sujeito de Direitos: A Conquista do Direito à Escuta

O artigo 28, § 1º, do ECA é explícito: “Sempre que possível, a criança ou o adolescente deverá ser previamente ouvido por equipe interprofissional, respeitado seu estágio de desenvolvimento e grau de compreensão sobre as implicações da medida, e terá sua opinião devidamente considerada”. Essa determinação está alinhada com tratados internacionais, como a Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU. A mudança é filosófica e profunda: a opinião da criança não é mais uma curiosidade, mas sim um elemento relevante para a formação da decisão judicial. O objetivo é encontrar a solução que melhor se alinhe com as necessidades e a realidade afetiva da criança, e ninguém melhor do que ela própria, com o auxílio de profissionais, para fornecer pistas sobre essa realidade.

Como Funciona a “Escuta Especializada” na Prática?

É crucial que os pais entendam que a “escuta” ou “oitiva” da criança não é um interrogatório em uma sala de audiência fria e intimidante. Pelo contrário, o procedimento é cercado de cuidados para proteger a criança. Geralmente, ele ocorre através de duas metodologias:

  1. Entrevista com a equipe técnica: A criança conversa a sós com um psicólogo ou assistente social do Judiciário, em uma sala lúdica e preparada para o atendimento infantil. O profissional utiliza técnicas especializadas para deixar a criança à vontade e captar seus sentimentos de forma espontânea.
  2. Depoimento Especial: Regulamentado pela Lei 13.431/2017 para casos de violência, mas adaptado para as Varas de Família, este método envolve uma entrevista conduzida por um especialista em uma sala separada, transmitida em tempo real para o juiz, promotor e advogados, que podem fazer perguntas através do entrevistador. O objetivo é evitar que a criança tenha que repetir sua história várias vezes e protegê-la do contato direto com a formalidade e o possível conflito da audiência.

“A Opinião do Meu Filho Vai Decidir o Processo?”

Essa é a dúvida de dez entre dez pais. A resposta é: não necessariamente, mas terá um peso enorme. O juiz tem o dever de considerar a opinião da criança, mas a decisão final não é vinculada a ela. A vontade da criança é um dos elementos mais importantes, mas será ponderada junto com outros fatores, como os laudos da equipe técnica, as condições de cada genitor e, principalmente, a maturidade e o grau de compreensão da própria criança. Por exemplo, a opinião de um adolescente de 15 anos tende a ter um peso muito maior que a de uma criança de 6. Além disso, o juiz e a equipe técnica são treinados para identificar se a criança está expressando um desejo genuíno ou se está sendo influenciada ou manipulada por um dos genitores (alienação parental).

A Importância de Proteger a Criança Durante o Processo

O principal objetivo de todos esses cuidados é proteger a criança do “ônus da decisão”. A criança não pode e não deve ser colocada na posição de ter que escolher entre o pai e a mãe. Isso geraria um sentimento de culpa e um fardo emocional gigantesco. É por isso que o papel da equipe técnica é tão vital. Eles atuam como “tradutores” dos sentimentos da criança para a linguagem do processo. Aos pais, cabe a responsabilidade de preparar o filho para esse momento, explicando que ele irá conversar com uma pessoa para contar como se sente, e assegurando que, independentemente do que ele diga, continuará sendo amado por ambos. O direito à escuta é um ato de respeito à cidadania da criança, e garantir que ele seja exercido de forma saudável é uma responsabilidade de todo o sistema de Justiça e da família.

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