A Eficácia da Prisão Civil: Um Debate sobre a Coerção versus a Real Solução do Conflito

A prisão do devedor de alimentos é, sem sombra de dúvida, a ferramenta mais impactante e controversa do Direito de Família. Sua simples menção evoca imagens de força e punição. Mas ela é, de fato, a medida mais eficaz? Prender um pai ou uma mãe realmente garante, a longo prazo, o sustento da criança e, mais importante, contribui para a pacificação da relação familiar já fragilizada? A eficácia da prisão civil é um paradoxo que merece uma reflexão profunda. Este artigo propõe um debate que vai além do “como funciona”, questionando o “porquê” e o “a que custo”, ponderando seu inegável poder de coerção contra seus possíveis e destrutivos efeitos colaterais.

O Lado da Coerção: O Inegável Poder de “Forçar” o Pagamento

Não há como negar a eficácia da prisão como instrumento de coerção imediata. A ameaça à liberdade pessoal é, para a maioria das pessoas, o estímulo mais poderoso que existe. A prática forense demonstra repetidamente que um percentual significativo das dívidas alimentares é quitado poucas horas ou dias após a expedição do mandado de prisão. Para o devedor que possui meios financeiros, mas que deliberadamente se esconde, usa de subterfúgios para ocultar patrimônio e ignora as ordens judiciais – o chamado “devedor profissional” –, a prisão é, muitas vezes, a única linguagem que ele compreende. Nesse contexto, a medida funciona como um choque de realidade, forçando o cumprimento da obrigação e garantindo que o sustento da criança chegue de forma rápida. Sob essa ótica puramente pragmática, a prisão é uma ferramenta de cobrança de altíssima eficácia.

O Efeito Colateral: A Ruptura dos Laços Afetivos e a Geração de Ódio

Se por um lado a prisão pode resolver o problema financeiro imediato, por outro, ela pode criar um problema humano e psicológico muito mais profundo e duradouro. A prisão é um ato de violência, simbólica e real, que pode implodir os já frágeis laços afetivos entre o genitor preso e o filho. Como uma criança ou adolescente processa a informação de que seu pai (ou mãe) foi preso a pedido de sua mãe (ou pai)? A medida pode ser o estopim para o aprofundamento de uma alienação parental, transformando um conflito sobre dinheiro em um ressentimento pessoal e, por vezes, em um ódio intransponível. O resultado é que a criança, que a medida visava proteger financeiramente, torna-se a maior vítima emocional do conflito, crescendo em um ambiente de hostilidade que pode marcar sua vida para sempre.

A Ineficácia Contra a Pobreza Real: Prendendo Quem Genuinamente Não Pode Pagar

A lógica da coerção parte de uma premissa fundamental: a de que o devedor pode pagar, mas não quer. E quando essa premissa é falsa? O que acontece quando o devedor está em uma situação de desemprego absoluto, vivendo de trabalhos informais precários, ou sofrendo de uma doença incapacitante? Para o devedor que se encontra em estado de real insolvência, a prisão é uma medida cruel, ineficaz e contraproducente. Ela não cria dinheiro, não gera empregos e não cura doenças. Pelo contrário, ela retira do indivíduo a pouca capacidade que ele teria de buscar uma renda, de ir a uma entrevista de emprego ou de fazer um “bico” para juntar algum valor. Prender quem não tem como pagar é um ato que se assemelha mais à punição pela pobreza do que a uma coerção efetiva.

A Busca por Alternativas e a Solução Real do Conflito

Um sistema de justiça familiar moderno e humanizado deve entender que a prisão é a ultima ratio, o último recurso, e não a primeira ou única solução. A verdadeira eficácia não está em prender, mas em resolver o conflito em sua raiz. Para isso, existem ferramentas muito mais construtivas: a mediação familiar e a conciliação, que buscam o diálogo e o acordo; as oficinas de parentalidade, que ensinam os pais a gerenciarem suas emoções e a cooperarem pelo bem do filho; e as medidas executivas atípicas (suspensão de CNH, passaporte, bloqueio de cartões), que pressionam o devedor em seu estilo de vida sem o estigma e a violência da prisão. A solução real não está em punir o inadimplemento passado, mas em construir um caminho viável para que o pagamento futuro aconteça e para que a relação entre pais e filhos possa, um dia, ser minimamente respeitosa.

A prisão civil por alimentos vive, portanto, em um campo de tensão. É uma ferramenta que, por um lado, se mostra indispensável para combater a má-fé e garantir direitos urgentes, mas que, por outro, carrega um custo humano e social altíssimo. Sua eficácia como medida de cobrança de curto prazo é inquestionável, mas seu impacto a longo prazo na estrutura familiar é profundamente questionável. O desafio do Direito de Família contemporâneo talvez não seja o de aprimorar a chave da cela, mas sim o de investir com mais afinco nas ferramentas de diálogo, nas sanções civis inteligentes e na construção de pontes, por mais frágeis que elas possam parecer.

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