A Astreinte (Multa Diária) na Execução de Alimentos: Ferramenta Secreta ou Inaplicável?

No vasto arsenal de ferramentas processuais, existe uma figura poderosa chamada astreinte. Trata-se de uma multa diária (ou por hora, ou por ato de descumprimento) fixada pelo juiz para forçar alguém a cumprir uma ordem judicial de fazer, não fazer ou entregar algo. É uma medida de pressão financeira contínua, que torna o descumprimento progressivamente mais caro. Isso levanta uma questão intrigante na área de família: seria possível aplicar uma multa diária, além de todas as outras sanções, para o devedor de alimentos que insiste em não pagar? A resposta imediata da maioria dos juristas seria “não”, mas a realidade processual revela nichos e estratégias onde a astreinte se torna, sim, uma arma secreta e extremamente eficaz.
A Regra Geral: Por que a Astreinte Não se Aplica à Dívida Principal?
O ponto de partida da discussão é a natureza da obrigação. A pensão alimentícia é uma “obrigação de pagar quantia certa”. E, para este tipo de obrigação, a lei já prevê mecanismos de execução específicos e muito fortes: o rito da penhora de bens e o rito da prisão civil. A corrente majoritária na doutrina e na jurisprudência, incluindo o STJ, entende que não é cabível a fixação de astreintes para forçar o pagamento da prestação alimentar em si, pois isso configuraria uma duplicidade de sanções (bis in idem) e uma subversão do sistema executivo próprio. Em outras palavras, não se pode aplicar uma multa diária pelo simples fato de o devedor não pagar a pensão, pois para isso já existem a prisão e a penhora.
A Aplicação Excepcional e Brilhante: Forçando o Cumprimento por Terceiros
É nas exceções que a genialidade da ferramenta se revela. A situação mais clássica e útil para a aplicação da astreinte na seara alimentar não é contra o devedor, mas contra um terceiro: o empregador. Imagine que o juiz determinou o desconto da pensão em folha, expediu o ofício para a empresa, mas o RH, por desídia ou conluio, simplesmente ignora a ordem judicial e não efetua os descontos. Nesse caso, a obrigação do empregador não é de “pagar”, mas de “fazer” algo (implementar o desconto). Aqui, a aplicação de uma multa diária sobre a empresa é perfeitamente cabível e extremamente eficaz para forçar o cumprimento imediato da ordem de desconto em folha. O juiz pode fixar, por exemplo, uma multa de R$ 500,00 por dia de atraso no cumprimento da ordem, direcionada ao CNPJ da companhia.
Estratégias Criativas: Usando a Multa para Obter Informações
Outra aplicação estratégica da multa diária ocorre durante a fase de investigação patrimonial. Muitas vezes, para descobrir a real capacidade financeira do devedor, o advogado do credor pede que o juiz ordene que o próprio devedor apresente documentos, como contratos de prestação de serviços, extratos de recebíveis de máquinas de cartão de crédito ou declarações contábeis de sua empresa. Se o devedor recebe essa ordem judicial e se recusa a apresentar os documentos, ele está descumprindo uma “obrigação de fazer”. Neste cenário, o juiz pode impor uma multa diária pessoalmente ao devedor, não pelo não pagamento da pensão, mas pela recusa em fornecer os documentos que permitirão o cálculo correto da dívida. Essa pressão muitas vezes quebra a resistência e força a transparência.
Portanto, a astreinte na execução de alimentos é um exemplo perfeito de como uma ferramenta jurídica pode parecer inaplicável à primeira vista, mas se revela poderosa quando usada de forma inteligente e nos contextos corretos. Ela não é a solução para a dívida principal, mas funciona como uma chave-mestra para destravar portas que impedem a execução de avançar. Seja para dobrar a resistência de um empregador negligente ou para forçar um devedor a abrir sua caixa-preta financeira, a multa diária é uma prova de que, no direito, a estratégia e a criatividade podem ser tão importantes quanto a própria regra. É uma carta na manga que todo bom advogado de família deve saber quando e como usar.